Os planos da 99Food para conquistar o mercado de delivery no Brasil

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Dona da 99, a Didi Chuxing é uma gigante da mobilidade. Registra mundialmente 30 milhões de corridas por dia, um pouco mais que o dobro da Uber. Chinesa, é sediada no maior mercado de entrega de comida do mundo, com 4,7 bilhões de pedidos em 2019 (ante 2,4 bilhões nos Estados Unidos e 535 milhões no Brasil). Mesmo assim, demorou a entrar no setor de delivery. A Didi Food chegou à China e ao México em 2018 e, em abril, chegará ao Japão. Em 13 de dezembro, a 99Food estreou no Brasil – discretamente. Está em Belo Horizonte e não têm planos de chegar a todas as capitais em 2020. “Alcançar a rentabilidade talvez seja a nossa principal meta”, diz Danilo Mansano, chefe de operação no país.

A 99Food está atrasada? O calendário sugere que sim. Os principais apps de delivery de comida estrearam no Brasil há anos: iFood em 2011, Uber Eats em 2016, Rappi em 2017. Os estudos de mercado sugerem que não: o público a conquistar no país é maior do que o já conquistado. As finanças também indicam que não: até agora as empresas ganharam volume, sem ganhar dinheiro. Se conseguir aprender as lições que a concorrência pagou caro para descobrir, daqui a alguns anos Danilo poderá dizer que não chegou tarde – os outros é que vieram cedo demais.

Por que a 99 demorou tanto a entrar no mercado de entrega de comida?

Quando a gente considerou trazer para o serviço para a América Latina, uma série de indicativos mostrou que ainda havia um longo caminho para ser percorrido, quando comparado a outras regiões do mundo. Mapeando os principais países da região, chegamos a México e Brasil. O mercado brasileiro atual é cinco vezes maior que o mexicano, com a diferença de lá existirem menos players operando.

Qual o potencial do mercado brasileiro?

O mercado brasileiro não é nem 20% do que vai ser em pouco tempo, em 3 a 5 anos. Na maior parte do mundo, o mercado de entrega de comida é maior que o de mobilidade. Poucos países são como o Brasil, onde comida é muito menor. Então existe potencial.

Que posição da 99Food pretende ocupar no Brasil?

Não perseguimos esse objetivo. Ser número 1, 2, 3 ou 4 é uma consequência das metas que a gente traça internamente. Muito mais do que ser o número 1, queremos ser um negócio de verdade. Rentável para a empresa, rentável e essencial para o dono do restaurante, ser uma solução que atenda bem o cliente na nossa one-stop platform. Tem muita gente querendo ser one-stop platform, mas não entrega em todas as categorias um nível de serviço tão bom. A gente quer construir isso.

Se o mercado brasileiro é o mais valioso da América Latina, por que a Didi estreou antes no México?

A gente gosta de validar o nosso modelo operacional antes de sair expandindo de uma forma, às vezes, inorgânica. Estrear no México foi uma forma de entender o público aos poucos, numa escala menor. Se a gente não fizer sentido lá, dificilmente dará certo aqui. Mesmo no México, começamos por Guadalajara, que não é a maior cidade, e fomos expandindo. No segundo semestre do ano passado, montamos uma equipe para tentar entender a realidade brasileira. Parte do time da 99Food também lançou o Didi Food no México. No meio de dezembro, começamos a atuar em Belo Horizonte.

Qual é o cronograma de expansão da 99Food no Brasil?

Além de operar em Belo Horizonte, a gente está cadastrando restaurantes em cidades próximas, como Poços de Caldas, Itabira, Divinópolis e Varginha. Estamos lançando e validando hipóteses todos os dias, para fechar o que a gente chama de ciclo de piloto. Se conseguirmos bater algumas metas nossas, internas, teremos fechado o modelo operacional que a gente quer adotar no país. Até o fim do ano, a gente gostaria de estar em mais capitais tão relevantes quanto BH.

A 99Food não planeja estar em todas as capitais brasileiras em 2020? Nem mesmo em cidades maiores do que Belo Horizonte, como São Paulo?

Não. A grande vantagem de trabalhar numa empresa como a 99/Didi é que estamos mais preocupados com a profundidade de conhecimentos do que com o tempo de as coisas acontecerem. Essa é a ideia. É um negócio de longo prazo. Vamos entender o mercado, vamos entender a necessidade local. Não vamos fazer isso numa área muito grande, com uma série de complexidades que a gente não consegue administrar, por desconhecer.

A 99 atua em transporte de passageiros no Brasil desde 2012. Não é um bom ponto de partida?

Como imagem de marca, é claro que sim. Seria bem diferente eu começar no mercado como “ABC Food”. A taxa de conversão de um serviço para outro não é uma estimativa trivial, porque são áreas de atuação diferentes. Segundo o nosso estudo, pelo menos 40% dos usuários recorrentes de mobilidade também vão experimentar a 99Food. É um belíssimo ponto de partida. Mas, como operação, alimentação é mais complicado.

Por que a entrega de comida é mais complexa do que o transporte de passageiros?

Mobilidade é uma dupla, passageiro e motorista. No mercado de entrega você tem um tripé: consumidor, entregador e restaurante. A equação se torna muito mais complexa. Em mobilidade, a plataforma garante que o motorista encontre o passageiro, e o passageiro controla o destino do motorista. No caso de comida, não. A plataforma garante os três lados: só vão existir pedidos dentro desse raio para o restaurante, e o entregador também só vai atuar nessa área. É muito mais sob controle. O serviço de comida requer uma grande densidade de prestadores cadastrados para funcionar.

Como a 99Food pretende conquistar um mercado ainda imaturo, mas já dividido entre três grandes empresas?

Primeiro: queremos dar atenção especial para cada elemento do tripé. Restaurantes, entregadores e consumidores são, para a 99Food, clientes com igual importância. A ponto de a nossa equipe se dividir internamente em três subtimes. Segundo: queremos nos adaptar à realidade de cada local. Em Belo Horizonte, decidimos atuar em esquema full service: articulando vendas e entregas. Em Varginha, vamos iniciar como marketplace: a gente gera o tráfego e o restaurante distribui com seus próprios entregadores. Isso faz mais sentido na realidade das cidades menores, onde os restaurantes têm motoboys contratados e onde motoboys independentes teriam baixo volume de pedidos. Terceiro: queremos construir um negócio sólido. Estamos aqui para o longo prazo, preocupados em absorver uma enorme parte do mercado que, ainda hoje, não está inserida na realidade de entrega de comida online.

Como atrair novos restaurantes, entregadores e consumidores?

Como a 99Food tinha mais interesse em aprender do que pressa em estrear, fizemos boa parte do time viver a vida de cada uma das três verticais. Boa parte do time – a parte que se deu bem (risos) – foi exercitar o papel de consumidor. Fez exaustivamente a experiência de usuário, pedindo comida. Outra parte do time, eu incluído, trabalhou fazendo entregas.

Como assim?

Eu trabalhei como entregador, de moto e bicicleta. Foram 3 dias de estágio no Brasil, 3 na China, uns dez no México. No México eu fiz 11 entregas, na China 35, no Brasil foram 9. Na China eu fiz entregas por diferentes players, no México eu trabalhei já como Didi Food. No Brasil eu não tive escolha, fui pegando o que tinha pela frente, quem ia me aceitando eu ia fazendo. Peguei uma mochila neutra, porque não queria ser fotografado com uma marca concorrente.

Por que, dos três “clientes” da 99Food, você escolheu ser entregador?

Desse tripé, o entregador é o único que tem contato direto com os outros dois, o restaurante e o consumidor final.

O que você experimentou como entregador?

O entregador sofre a dor de começar uma coisa sem saber como deve se comportar, se equipar, o que priorizar. Para onde é o próximo pedido? Para onde eu vou? Se começar a chover, o que eu faço? Onde ficar durante a tarde, em quase duas horas sem receber pedidos? A bateria do celular acabou, o que eu faço? Às vezes eu chegava em restaurantes e ficava mais de meia hora numa fila, num bolsão cheio de entregadores, esperando o meu pedido ficar pronto. Às vezes você é maltratado pelos diferentes contatos dessa equação… Acho que foi muito bom para mim incorporar as dores do entregador. É a dor que eu menos viveria, como chefe de operação da 99Food. Antes, eu trabalhei no mercado de mobilidade. Eu me forçava a viver um dia de motorista uma vez por mês. Um executivo tem que ser orientado ao cliente. É muito fácil se iludir com outras questões de escritório. Os números são frios demais para mostrar a realidade.

Como a 99Food quer atender melhor os entregadores?

O entregador precisa ter pontos de apoio: a Casa 99, criada para atender os motoristas no ride sharing, será compartilhada. É um espaço com aulas de capacitação, atendimento personalizado, acesso à internet, eletricidade para carregar o celular… É um ambiente para descansar, um ponto de apoio longe de casa. O entregador precisa ter acesso ao dinheiro o quanto antes: nós fazemos repasses semanais e queremos acelerar isso, para serem repasses diários. O entregador precisa ver seu trabalho render: com nossa experiência em mobilidade, queremos propor rotas mais produtivas. Queremos manter uma meta de receita por hora. Não vamos fazer campanhas atreladas a tempo de entrega ou velocidade de entrega, para não estimular uma condição crítica para o trabalhador. Também estamos pensando em incluir os carros da 99 no delivery.

Como a 99Food quer atender melhor os consumidores?

O foco da 99Food é muito mais destravar um mercado que pode ser destravado do que ficar brigando pelo usuário do concorrente A, B ou C. O potencial de crescimento do mercado brasileiro está muito mais na conquista de novos usuários do que no aumento da frequência dos pedidos. Aqui é diferente da China, onde o cliente pede três refeições por dia.

Como ampliar a clientela?

O brasileiro ainda vê a entrega de comida mais como um conforto, uma indulgência, do que uma ferramenta útil. A indústria de aplicativos de transporte tinha essa imagem e conseguiu mudar, esperamos fazer o mesmo com delivery. Baixar o preço da comida será um passo importante nisso. A segunda iniciativa é entender que a pessoa não consome só pizza, pizza, pizza. A variedade de cozinhas e comidas é muito importante para aumentar a recorrência. Além de buscar mais marcas, precisamos de inteligência para apresentar o melhor cardápio para cada consumidor. O smartphone tem uma telinha de 3 polegadas, as pessoas não vão ficar… é que nem no Google: as pessoas não vão até a página 3 da pesquisa. O salto deles foi fazer um algoritmo que mostra o que é relevante para você. Nossa ideia é fazer isso também. A gente quer mostrar que a 99Food é diferente, porque já entende o seu perfil de consumo.

Como a 99Food quer se destacar por conhecer melhor o público, sendo justamente a marca que chegou por último?

Sendo parte da 99, a gente não começa do zero. Com os seus dados de deslocamento, sabemos para que restaurantes você já foi. A grande vantagem da 99Food é que desde o dia 1 de funcionamento, a equipe que busca parcerias com os restaurantes já tem o que dizer: um número x de potenciais clientes da 99Food frequenta o seu estabelecimento. É um fator de convencimento claro.

Como a 99Food quer atender melhor os restaurantes?

A gente vai trazer uma base de restaurantes que até então não havia trabalhado com aplicativos. O empresário quer autonomia, liberdade de mudar seu menu e fazer pratos do dia. Também quer apoio para aumentar sua rentabilidade. Montamos um time de especialistas em menu e uma consultoria para aumentar as vendas e a rentabilidade na plataforma. Uma equipe profissional vai fotografar os pratos, para ficarem atraentes no app. Essa é a nossa proposta, não tem nenhuma bala de prata.

O Brasil está a quanto tempo de tratar a entrega de comida como um serviço cotidiano?

Nas reuniões que eu tenho na matriz, em Pequim, as pessoas costumam dizer ‘nossa, o Brasil parece a China de cinco anos atrás’. Mas não sei, eu não estava lá há cinco anos para ver como era. Essa realidade no Brasil só vai acontecer quando os restaurantes baixarem seus preços para ganhar mais pelo volume do que pela margem de lucro. A 99Food quer fazer essa investida, começar um trabalho educacional mais próximo do restaurante. Mas o empresário não quer. Para mostrar que vale a pena, nós vamos renunciar à nossa margem, em iniciativas experimentais, e mostrar ao empresário o antes e o depois.

Qual é o papel da entrega de comidas para a 99 alcançar rentabilidade?

Talvez seja a nossa principal meta interna. No início, não tem como a gente crescer e ser rentável ao mesmo tempo. Se fizermos isso, vamos ganhar o Nobel de Economia. Nossa meta é a cada mês nos tornarmos um pouco mais eficiente. A cada novo lançamento, a gente brinca que tem que ser 20% mais eficiente e em 20% menos tempo. A 99Food tem o grande benefício de não ter um investidor externo. Somos parte da Didi, uma empresa global. Sofremos menos pressão para mostrar grandes números de pedidos, essas métricas. Temos o objetivo de fazer as coisas de maneira sustentável a longo prazo, porque esse dinheiro já é de dentro de casa. A gente não tem prazo para chegar ao break even. O que precisamos é provar à nossa sede em Pequim que vale a pena investir no Brasil. Que existe um caminho de crescimento para ser percorrido, mas, principalmente, que em algum momento ele vai se tornar rentável.

Fonte Época Negócios
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