O futuro do varejo passa pelo uso da voz

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Por Fernanda Romano

Uma das missões mais difíceis para qualquer empresa é ter de implementar um produto ou serviço que requer uma mudança de hábito por parte do usuário. Não é à toa que milhões de dólares são investidos em pesquisas sobre hábitos de consumidores, em testes de mensagens e experiências ou em conteúdos que buscam provocar mudanças, enquanto outros tantos vão para a análise dos mesmos a fim de tentar ganhar velocidade e eficiência quando o modelo funciona.

Disciplinas como psicologia, semiótica, comunicação e mesmo economia são empregadas em modelos de planejamento e criação para fazer com que as pessoas passem a reciclar o lixo, parem de fumar, bebam menos, usem o auto-atendimento bancário ao invés dos caixas e deixem o carro na garagem ao menos uma vez na semana. De incentivos a multas (e até brincadeiras), vale tudo se o objetivo for atingido.

Fernanda Romano é sócia da Malagueta

Pela minha experiência apoiando empresas e instituições em desafios desse tipo, sei que muitas vezes esquecemos que remover barreiras para a adoção de um novo comportamento é tão ou mais importante do que dar prêmios ou gerar escassez (já notou que todas as vezes em que alguém te diz que um produto é “edição limitada” você pensa que é melhor comprar de uma vez, porque, afinal, nunca mais vai ter de novo?).

Pois eu creio que a próxima revolução no varejo vem exatamente disso. Quanto mais dados temos sobre o comportamento do shopper (áreas quentes e frias, qual o caminho dentro da loja, que tipo de promoção funciona melhor), mais percebe-se que, na verdade, o que a pessoa quer é reduzir a dificuldade de escolher, comprar e levar – ou receber – o que ela precisa ou deseja naquele momento.

Entra em cena a Amazon e todas as lições que a empresa dá ao varejo diariamente. Além de ter uma eficiência fenomenal em gestão de estoque e conhecimento profundo do cliente, a Amazon ensina o tempo todo a quem quiser aprender que, quanto mais você reduz os empecilhos, mais as pessoas compram.

Claro, podemos falar de preço – nem sempre o da Amazon é o melhor – e podemos falar da dificuldade de escalar globalmente com o mesmo nível de eficiência da operação americana ou inglesa. Podemos falar ainda sobre a comparação com a infraestrutura do Wal-Mart – a do segundo ainda é mais parruda, e Bentonville finalmente acordou para a oportunidade do e-commerce. E sempre devemos lembrar que uma recessão seria boa notícia para o CostCo, mas não para a Amazon. Mas, se for para pensar assim, eu recomendo estudar mais a fundo a empresa, em especial, três letrinhas – AWS – e entender que a Amazon é, hoje, muito maior do que apenas o varejo. Essa é uma vantagem competitiva bastante relevante.

Mas voltemos ao varejo e falemos de Alexa. Desde que ela entrou na minha vida, as compras por impulso aumentaram significativamente. Minha vida ficou mais fácil. “Ela” sabe que marca de papel higiênico eu uso, só preciso falar que, dois dias depois, o pacote aparece. Se estou lendo um email e penso em um livro, não preciso entrar no navegador ou mesmo pegar meu telefone; “Alexa, compre o livro do Michael Lewis”. Escrevendo esse texto, tenho dificuldade de lembrar se ela me questiona quanto ao preço. Imagino que não. Meus dados de pagamento e entrega já estão no sistema, portanto, a transação é rápida e simples. E eu me pego dizendo “por favor” e “obrigada” para a Alexa.

Na minha casa, tenho um Echo na sala e um Echo Dot no quarto. Além de controlar as luzes, Alexa toca música para eu trabalhar mais concentrada e barulho de chuva para eu dormir melhor. Lê as notícias do dia de manhã, me fala a que horas é minha primeira reunião e me diz a previsão do tempo. Desde que a Alexa entrou na minha vida, minha Siri se sente um pouco sozinha. Em minha defesa, no escritório e na rua, ou viajando, a Siri volta a ocupar lugar de destaque. Quando não tenho internet, confesso que uma das coisas que mais sinto falta é não poder interagir com comandos de voz.

Porque é mais fácil. Porque é mais cômodo. Porque é familiar.

Porque eu não vejo vantagem em abrir uma janela de browser ou um app, digitar uma palavra, fazer a busca, ver diversas opções, clicar, clicar de novo e finalizar a compra se eu já sei o que quero. Quando eu não tenho certeza, a quantidade de estrelas me ajuda a escolher.

Eu posso pausar um podcast e comprar o livro do entrevistado sem parar de fazer café. Eu posso me vestir enquanto compro o presente de aniversário de um amigo.

Quando o Tesco colocou adesivos simulando prateleiras de supermercado nas estações de metrô em Cingapura em 2011, o que a rede de supermercados inglesa fez foi remover uma barreira para a compra. Enquanto esperavam o trem, as pessoas apontavam seus celulares para os produtos desejados, montavam seus carrinhos virtuais e mandavam a compra para as suas casas, economizando tempo e, possivelmente, comprando itens que talvez não levariam se a ideia fosse apenas o leite para o café da manhã encontrável na loja de conveniência.

Ao levar a loja até as pessoas, seja através de uma parede na estação de trem, um app no telefone ou da opção de pedir em voz alta o que eu quero, esses varejistas facilitam a nossa vida e estão mudando os hábitos de compras das pessoas. Se você tiver tempo e resolver dar uma olhada nesta página da Wikipedia, vai entender que as mudanças vieram para ficar.
Uma das coisas que mais me enerva em relação aos meus amigos e colegas de trabalho no Brasil é a mania de mensagens de voz no WhatsApp. Já tentei de tudo: escrevi no meu perfil que não gosto, ignorei, devolvi mensagens ainda mais longas. Não venci. Brasileiros falam mesmo.

Porque é mais fácil. Porque é mais cômodo. Porque é familiar.

Com todas as barreiras de infraestrutura que existem no Brasil – estradas péssimas, malha viária insuficiente, endereços com dois números diferentes na fachada e por aí vai –, uma das que menos falamos é o semi-analfabetismo da população. Ao facilitar a compreensão das ofertas e permitir interação por voz, os varejistas que acompanharem essas tendências terão a oportunidade não apenas de se conectar mais e melhor com essa população que, não se engane, também vai transacionar online; mas também com os meus amigos, que gostam de voz. Porque é mais fácil. Mais cômodo. E mais familiar. As mesmas razões pelas quais eu gosto tanto da Alexa. (E da Siri, para ela não ficar triste.)

Fonte Época Negócios
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