O que as marcas devem aprender com os cidadãos

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Talvez o mais acurado termômetro das oscilações sociais vividas pelos brasileiros ao longo das últimas duas décadas seja, de fato, a capacidade de consumir. Embora os sinais positivos de nossa economia estejam distantes do amadurecimento, tal reflexão se mostra ainda mais pertinente, sobretudo se exercitarmos a visão periférica e entendermos a efeméride não apenas como uma data pensada a partir da lógica do consumo, mas sim de cidadania.

A expansão da classe média local foi o sintoma imediato da inclusão de milhões de brasileiros que hoje sofrem com uma diminuição da desigualdade -o que, em si, constitui uma vitória-, porém ofuscada por um empobrecimento em todos os níveis de renda.

Esse panorama volátil, no entanto, deixa como legado a evolução no relacionamento entre cidadãos e marcas. Esta qualificação nas relações de consumo representa um maior nível de exigência dos indivíduos diante das organizações privadas.

De acordo com a pesquisa Trust Barometer, conduzida em 28 países pela agência Edelman, as empresas são o grupo institucional mais crível no Brasil, com o quase o triplo da confiança depositada no poder público, por exemplo. Isso significa que há uma elevada expectativa por parte das pessoas em relação à iniciativa privada não apenas quanto a sua capacidade de entregar produtos e serviços de qualidade, como também endereçar temas de interesse social.

Este contexto de qualificação do consumo se evidencia em muitas dimensões. Órfãs de entidades eficientes e bem geridas na esfera pública, as pessoas concentram nas marcas as suas maiores esperanças. A primeira delas refere-se ao relacionamento. Antes, bastava a uma empresa identificar seus produtos, serviços e dar a eles notável visibilidade por meio de extensas – e intensas – campanhas publicitárias.

Depois, passamos a cobrar experiências que fossem além da compra e nos imergissem de certa forma em contextos e cenários como um espetáculo de música ou uma viagem inusitada. Atualmente, queremos respostas imediatas nas redes sociais no menor tempo possível, de preferência por parte de alguém que realmente entenda nossas questões, sugestões e comentários – e não um robô com frases padronizadas.

Da marca como um carimbo ou selo de qualidade, chegamos à marca como persona de quem exigimos cuidado e atenção permanentes. Mais ainda: o papel das marcas transcende a materialidade e direciona-se, também, para um plano simbólico, gerando uma relação de reconhecimento e projeção identitária perante os cidadãos.

Ou seja, compramos não apenas por preço, mas também pelo vínculo que uma empresa mantém conosco por meio de suas ofertas e outras experiências. Diante de tantas opções, torna-se cada vez mais fácil encontrar uma opção que nos represente de forma alinhada a nossos valores, desejos e visões de mundo.

Outro estudo, realizado pela Edelman, intitulado Earned Brand, detalha esse largo espectro de demandas que passamos a canalizar sobre as empresas. Um dos dados mais emblemáticos refere-se à nova dinâmica de influência que nos pauta: 93% das pessoas no Brasil, antes da decisão de compra, confiam mais em seus pares do que em discursos institucionais.

Este dado é corroborado pelo Trust Barometer, que aponta a “pessoa comum” como a de maior credibilidade para se formar opinião sobre uma marca para 78% dos brasileiros. E esse é o primeiro ponto de alerta: as organizações não têm mais o poder de dominar e pautar a atenção dos indivíduos. O fluxo se inverte: hoje, o desafio das marcas é ter relevância o suficiente para participar das nossas conversas, que ocorrem de forma cada vez mais fechada a restrita aos nossos círculos de confiança e proximidade.

Outra evidência que comprova a qualificação do consumidor diz respeito à exigência para além de um bom produto ou serviço. Segundo o Trust Barometer, tão importantes quanto a entrega de uma empresa são as capacidades de demonstrar integridade, abertura para o diálogo e associar-se a causas.

O estudo Earned Brand demonstra que dois terços dos brasileiros, entre duas marcas similares, optam por aquela que possui claramente seus compromissos sociais, enquanto 75% afirmam que “fazer o bem” deveria integrar as crenças de qualquer organização. O objetivo das marcas, ao fim do dia, deve se concentrar em estabelecer relações fortes junto aos consumidores, de preferência pautadas por um forte sentimento de confiança.

Quanto mais envolvido junto a uma marca, menos suscetível um consumidor será a deixá-la ou trocá-la por um concorrente. Porém, isto depende da capacidade de uma empresa compartilhar valor, ou seja, gerar benefícios para seus públicos e cumprir suas promessas.

Segundo os consumidores entrevistados pelo Trust Barometer, não permitiremos que as corporações tomem atalhos – seja por corrupção, aumentos de preços que prejudiquem os consumidores ou reduções de custos que desemboquem na depreciação da qualidade de produtos e serviços.

Para novas perguntas, não devemos buscar respostas antigas e malsucedidas. Outra face do amadurecimento do consumidor reside no campo prático, ou seja, em sua habilidade de educar-se financeiramente em um cenário de pressão e crise.

Pesquisa da consultoria PwC, apontava, no ano passado, que 41% dos brasileiros, mesmo com uma melhora no panorama econômico, tenderão a manter os padrões atuais de consumo e não deixarão de poupar recursos. Outro aspecto importante refere-se ao tempo dedicado à pesquisa e comparação de preços, atividades sobre as quais investimos mais tempo que a média global.

Que o dia do consumidor seja um espaço de reflexão sobre as características das marcas aptas a atenderem aos novos clamores de indivíduos mais críticos, conscientes, criteriosos e exigentes em várias dimensões no contato com as empresas. Talvez o primeiro passo para organizações mais alinhadas a estas demandas seja colocar as pessoas em primeiro plano como cidadãs e não mais como compradoras. E, além disso, mudar o ato do consumo de perspectiva, colocando-o sob a condição de resultado de um vínculo qualificado – e não um fim em si mesmo.

Fonte Diário do Comércio
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