Mudanças no mercado brasileiro testam modelo Ambev

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Conhecida pelas altas margens de lucro e pela entrega de bons resultados a investidores, a Ambev tem vivido um momento diferente. Em 2018, ano em que a Bolsa foi o investimento mais rentável do País, com o Ibovespa avançando 15%, as ações da empresa caíram quase 30%.

A companhia foi a que mais perdeu valor de mercado, em números absolutos, no ano passado: de R$ 340,7 bilhões para R$ 241,8 bilhões. Desde janeiro, porém, com a Bolsa paulista avançando diante da expectativa de crescimento da economia, a Ambev já recuperou parte das perdas de 2018.

A empresa vinha tendo uma boa performance até 2015 com um modelo baseado em distribuição direta, venda forte em bares e apresentação de suas principais cervejas em garrafas de 600 ml.

As transformações do setor nos últimos anos, porém, começam a testar esse modelo, até então, de sucesso. Para o Bradesco, um dos maiores desafios é o crescimento da venda de bebidas em atacarejos, o que tira da Ambev a vantagem da distribuição direta e de maior alcance, sobretudo em bares.

A companhia tem hoje 1 milhão de pontos de venda, enquanto a Heineken (dona de Kaiser e Schin) tem 600 mil e a Petrópolis (da Itaipava), 700 mil. O problema é que a venda de cerveja em supermercados, que não exige um sistema de distribuição tão complexo como o montado pela Ambev, avançou nos últimos anos.

Além disso, em países que atravessaram crises profundas como o Brasil, o consumo não voltou para os bares após a retomada econômica. Em relatório, o Bradesco prevê que a participação da venda de cervejas em mercados aumente dos atuais 38% para 41% até 2022.

Outra barreira no caminho da Ambev é a ampliação dos segmentos “premium” e “de desconto”, e a perda de espaço do segmento intermediário, no qual suas principais marcas (Skol, Antarctica e Brahma) predominam.

Na crise, o mercado “de desconto”, em que estão as cervejas mais baratas e cujas marcas não fazem diferença para o consumidor, avançou de 19% para 25%. O “premium”, que não foi afetado pela retração da renda, também cresceu, para 12% – dez anos atrás, beirava os 5%. Resultado: o segmento em que a Ambev tem tradição perdeu espaço.

Apesar de a companhia ter lançado novos produtos para responder a essas mudanças, os resultados não se mantiveram. “A Ambev continua com performance inferior na categoria tradicional enquanto o crescimento no ‘premium’ ainda não se traduziu em maior rentabilidade”, escreveu Thiago Duarte em relatório do BTG Pactual.

O diretor financeiro da empresa, Fernando Tennenbaum, diz, no entanto, que a rentabilidade do segmento “premium” é maior que a do tradicional, mas não dá números.

Além das mudanças no setor, analistas destacam que a competição também está mais acirrada. Nos últimos dez anos, a Ambev perdeu quase 5 pontos porcentuais do mercado, segundo a Euromonitor.

O banco UBS diz que a Heineken tem consolidado suas marcas, dificultando a recuperação de “market share” da Ambev. O banco fez um levantamento com 1,6 mil consumidores que concluiu que a percepção da Heineken como marca “premium” passou de 20% para 24% no último ano, enquanto a da Stella Artois (da Ambev) recuou de 35% para 31%.

Apesar das dificuldades, a tendência é que o setor cervejeiro comece a melhorar lentamente. As projeções apontam para uma recuperação do mercado como um todo, depois de três anos de retração.

No acumulado de 2019, com a Bolsa brasileira avançando de forma acelerada, os papéis da Ambev já recuperaram 16% de valor. Ontem, a companhia fechou avaliada em R$ 294,7 bilhões.

Os custos, porém, podem novamente espremer as margens. A Ambev faz operações financeiras para se proteger de oscilações cambiais no curto prazo. Esse impacto costuma chegar 12 meses depois.

A alta do dólar de 2018, portanto, vai bater agora na companhia. “É improvável que 2019 seja tão ruim como foi 2016 (para a empresa), mas continuamos vendo pouco espaço para surpresas muito positivas”, destaca o BTG.

O mercado está materializando que as margens (da Ambev) talvez não voltem ao nível pré-2016. A competição e o setor mudaram, afirma um analista. Em relatório recente, o UBS destacou que as margens da empresa não atingirão o patamar anterior à crise antes de 2025.

Ampliar a oferta de produtos é a principal estratégia da Ambev para recuperar mercado e voltar a entregar resultados semelhantes aos anteriores à crise. Desde 2015, a companhia ampliou a linha de suas três principais marcas (Skol, Antarctica e Brahma) com dez lançamentos.

“Nosso portfólio é muito mais robusto do que o de três anos atrás. Fizemos um investimento nas famílias das marcas. Hoje, por exemplo, temos Skol, Skol Hops e Skol Puro Malte. Você pode jogar os produtos em diferentes ocasiões”, afirma o diretor financeiro da empresa, Fernando Tennenbaum.

Apesar de sempre ter se colocado contra o segmento de cervejas “de desconto” – por considerar que, nele, o consumidor não diferencia as marcas -, a companhia também investiu nesse mercado.

No ano passado, lançou a Nossa em Pernambuco e a Magnífica no Maranhão, ambas com mandioca em suas receitas e mais baratas que as marcas tradicionais.

O executivo afirma que a entrada no segmento não foi uma estratégia para responder à crise, mas uma “oportunidade” de se relacionar com o público de regiões onde marcas “de desconto” devem predominar sempre. Para Tennenbaum, em outros Estados do País, esse mercado voltará a encolher conforme a economia brasileira se recuperar.

Apesar de a Ambev afirmar não prever uma expansão significativa no segmento mais popular, o lançamento das novas marcas foi bem visto por investidores. Segundo relatório do banco BTG Pactual, os benefícios fiscais concedidos à companhia pelos Estados onde a bebida está sendo produzida permitem que ela seja vendida até 10% mais baratas que a Schin – hoje nas mãos da Heineken – e sem perda na margem de lucro.

Tennenbaum diz ainda estar otimista com a recuperação da economia do País – e, portanto, com a Ambev. “Com o Brasil crescendo, dá para recuperar margem. Quanto (de margem), é difícil dizer.”

Ele admite que haverá um impacto do câmbio neste ano decorrente da desvalorização da moeda brasileira em 2018, mas nada que se compare a 2016.

Naquele ano, acrescenta ele, a desvalorização foi de maior magnitude e o resultado da companhia foi também prejudicado pelo aumento do ICMS em vários Estados. “Agora, a grande dúvida é se vamos voltar a ver o volume (de venda de bebidas). Isso está um pouco na cabeça dos investidores”, responde Tennenbaum, ao ser questionado sobre o desempenho da companhia na Bolsa em 2018.

Estimativas da CervBrasil (associação do setor da qual a Ambev não faz mais parte) apontam que a produção de cerveja no ano passado ficou em 13 bilhões de litros, 8% a menos do que o registrado em 2014, ano recorde.

A projeção da entidade para este ano é de alta de 3% no volume caso o governo consiga agilizar as reformas estruturais na economia. Em cenário contrário, deve haver uma estagnação.

Fonte Diário do Comércio
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