Lei flexibiliza fiscalização de produtos artesanais e coloca em risco segurança alimentar

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Produtos de origem animal feitos de maneira artesanal ficarão sem fiscalização até a regulamentação da lei 13.680, que entrou em vigor na última sexta-feira (15). A regra também permite a comercialização interestadual destes produtos. Os auditores fiscais federais agropecuários (Affas) alertam que a fiscalização evita danos à saúde humana e à agropecuária do País.

O objetivo da norma é flexibilizar a fiscalização de produtos de origem animal elaborados de maneira artesanal. Até quinta-feira (14), a fiscalização destes produtos era feita por profissionais dos órgãos municipais de agricultura, no caso de produção que circula apenas no município; profissionais de órgãos estaduais de agricultura, no caso de produtos comercializados entre cidades de um mesmo estado; e auditores fiscais federais agropecuários, no caso de produtos que são comercializados entre estados e para o exterior. Com a norma, os produtos artesanais comercializados entre os estados serão fiscalizados por órgãos da saúde.

Durante a tramitação do projeto de lei, a Unidade Técnica Virtual de Defesa Agropecuária, do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), elaborou nota técnica contrária ao projeto de lei. Entre os pontos levantados está o fato de que um produto de origem animal só por ser elaborado de forma artesanal não perde a sua origem e os riscos inerentes à produção. Estes riscos podem ser iguais ou até maiores do que o produto elaborado em ambiente industrial, a depender da condição de saúde do rebanho que originou o produto, das barreiras térmicas aplicadas no processo para impedir a propagação de pragas, das boas práticas de fabricação, entre outras. Considerando que alguns produtos são feitos com matéria-prima crua, a atenção deve ser ainda maior. De acordo com o documento, a fiscalização sempre ficou a cargo da agricultura porque é de fundamental importância acompanhar desde a sanidade do rebanho até a industrialização para garantir que não houve contaminação em nenhuma das fases da produção.

A nova norma criou uma discrepância entre os estabelecimentos que estão registrados no Serviço de Inspeção Municipal (SIM) e no Serviço de Inspeção Estadual e os estabelecimentos que fabricam produtos artesanais. Isto porque os produtos artesanais terão circulação livre enquanto os demais continuarão regidos pela lei anterior.

Também deve ser considerado o insuficiente número de veterinários dentro do corpo técnico dos órgãos de saúde para fazer o trabalho de fiscalização, visto que a fiscalização foi historicamente realizada por médicos veterinários da área de agricultura. Além disso, as ações das vigilâncias são voltadas para o comércio e, portanto, falta treinamento para realização do controle nas propriedades rurais.

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), órgão responsável pela fiscalização na área da saúde, também se manifestou, por nota técnica, contrária à lei enquanto ela ainda estava em tramitação. Segundo a agência, a produção de alimentos de origem animal, seja industrial ou artesanal, não está sujeita ao regime de vigilância sanitária dos órgãos de saúde.

Para a auditora fiscal federal agropecuária que compõe a Delegacia Sindical do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais Federais Agropecuários do Rio de Janeiro, Mayara Souza Pinto, a publicação da norma traz insegurança para os consumidores de produtos artesanais. “Há um vácuo legislativo. A Lei foi publicada sem regulamentação, deixando os produtos artesanais comercializados sem nenhum tipo de fiscalização até que outro regramento seja elaborado. Isso pode demorar muito, pois há o tempo necessário para que os novos órgãos responsáveis se preparem para começar a fiscalizar e, enquanto isso, o consumidor fica totalmente exposto. Importante frisar que somos a favor da produção artesanal, entendemos e concordamos com a necessidade de valorização destes produtos de enorme importância social e cultural. Apenas queremos que o assunto seja tratado com a responsabilidade e cuidado que merece, de forma a não causar risco à saúde de ninguém.”, explica.

Entre as doenças que podem ocorrer em decorrência de consumo de produtos de origem animal contaminados estão a salmonelose, listeriose, intoxicação por S. aureus, entre outras. “Há diversas doenças que podem causar desde sintomas leves a gravíssimos, que podem levar inclusive à morte. Em 1998, em Nova Serrana, Minas, 253 pessoas foram contaminadas por uma espécie de bactéria (Streptococcus zooepidemicus) que causa uma doença que afeta os rins, por consumo de queijo fresco elaborado com leite cru. Sete pessoas ficaram dependentes de hemodiálise e três morreram” conta Mayara.

Normas adequadas à realidade dos produtores artesanais já estavam sendo elaboradas. Desde 2011 há uma instrução normativa específica para produtores artesanais e várias regras vêm sendo construídas para adequar os pequenos produtores de cada uma das cadeias produtivas de origem animal às normas nacionais. No ano passado uma instrução normativa regulamentou a produção de leite, mel e ovos. “Já há um processo diferenciado para a os produtos artesanais. Não era uma simplificação ou flexibilização, mas uma adequação a quantidade e tamanho de maquinários e equipamentos que fazem jus à realidade das pequenas propriedades e da agricultura familiar sem comprometer a segurança alimentar da população”, afirma o presidente do Anffa Sindical, Maurício Porto.

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