10 respostas sobre os direitos do consumidor na quarentena, da mensalidade à devolução de dinheiro

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Durante a pandemia do novo coronavírus e orientações de isolamento, muitos serviços e empresas estão operando de forma reduzida ou fecharam totalmente as portas temporariamente. Escolas estão aplicando atividades online, academias e comércio estão fechados, eventos e formaturas foram cancelados.

Na prática, uma série de alterações foram causadas na vida dos consumidores, mas qual é o limite do direito do consumidor diante da Covid-19? O cliente pode pedir suspensão de contrato e reembolso imediato? Como funciona prazo de garantia de produtos? É possível trocar depois? Essas e outras dúvidas podem surgir no dia a dia a partir de agora.

“A situação de pandemia excepciona o período de normalidade do Direito, considerando os efeitos que pode gerar. No entanto, a proteção do consumidor é garantia fundamental, e mesmo o surto do coronavírus não vai suspender esses direitos. O Estado não pode fragilizar o direito do consumidor para fortalecer os fornecedores”, afirma Antônio Efing, advogado especialista em Direito do Consumidor e professor da Escola de Direito da PUC-PR.

Mas Rafael Passaro, advogado também especialista em Direito do Consumidor do Stocche Forbes Advogados, acredita que, considerando a situação inédita que a pandemia colocou não só o Brasil, mas o mundo, o consumidor precisará ser mais flexível em relação aos seus direitos.

“A situação nunca aconteceu antes e está afetando todos os tipos de relações contratuais. A recomendação é que as pessoas usem a boa fé e negociem soluções com o prestador de serviço para minimizar os prejuízos de ambos os lados. Agora, é preciso encontrar um ponto no meio do caminho para as partes. Todo mundo vai enfrentar dificuldades, mas precisa buscar o menor impacto possível considerando o momento”, diz.

Maximilian Fierro Paschoal, sócio de Relações de Consumo em Pinheiro Neto Advogados, também acredita que a situação vai exigir uma flexibilização das partes para chegar ao um denominador comum.

“Estamos em um momento atípico. É verdade que temos as regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC) que devem continuar sendo aplicadas, além da consolidação de jurisprudência de muitos anos. Mas agora, diante dessa situação, o problema não foi causado pelo consumidor ou pelo fornecedor, foi algo de força maior, que está fora do controle das partes, por isso prazos maiores, mais paciência e boa-fé serão necessários”, explica.

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Existe uma solução padrão que o consumidor deve seguir?

Não exatamente. Por mais que existam as regras definidas pelo CDC, dada a atual situação cada caso deve ser tratado individualmente, segundo Paschoal.

Mas o Procon-SP tem algumas recomendações. Fernando Capez, Diretor Executivo do órgão, afirma que neste momento a melhor saída é um acordo entre ambas as partes do acordo: consumidor e fornecedor. “O quadro atual revela a interrupção forçada de um número tão grande de relações de consumo, que passa a exigir dos órgãos de proteção e defesa do consumidor, uma visão e uma estratégia diferentes, a fim de garantir a eficácia no atendimento à parte vulnerável da relação de consumo”, diz.

A orientação do órgão é que os consumidores optem pela conversão do serviço em crédito para ser usufruído em momento posterior. “Sem a imposição de qualquer cobrança de taxa, multa ou outra forma de penalização, como retenção de parte de valor. Os serviços que puderem continuar a ser prestados à distância não precisarão ser interrompidos. A solução deverá ser guiada pelos princípios da boa-fé, razoabilidade, proporcionalidade e transparência, sendo imprescindíveis equilíbrio e bom senso”, diz Capez.

Passaro também lembra que, durante o acordo entre as partes, tudo pode ser feito de forma online – até um eventual ajuste no contrato, por exemplo. “Não existe formalidade oficial específica para esse tipo de momento. Se o cliente desejar alterar algo dentro do que foi combinado deve comunicar o fornecedor da sua vontade e guardar uma cópia para ter como comprovar sua posição em um momento futuro, se necessário”, diz.

Cursos e academias: posso suspender contratos?

Segundo Passaro, o consumidor pode pedir a suspensão de contratos, mas terá que negociar com o prestador de serviço – que não é obrigado a cancelar. “Os fornecedor pode tentar administrar para que o consumidor compense esses valores no futuro, ou que o valor seja abatido da anualidade da academia, por exemplo. mas depende da conversa direta entre as partes”, afirma.

O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) afirma que sim, nesses casos, há direito de cancelamento do contrato sem multa. “Sugerimos às academias que suspendam a cobrança de mensalidades pelo período em que estiverem fechadas para evitar ações judiciais e reclamações nos órgãos de defesa do consumidor. As academias que insistirem na cobrança poderão ser demandadas pelos consumidores para reembolso dos valores que foram cobrados após pedido de cancelamento ou suspensão de pagamentos pelo consumidor”, diz o órgão.

Se for desejo do consumidor, ainda pode ser negociado com a academia que o período em que estiver fechada seja acrescentado sem cobrança ao fim do contrato previamente acordado.

No caso de cursos, o Idec explica que o consumidor também pode pedir o cancelamento da matrícula, sem pagamentos de multas, e reembolso em casos específicos – como cursos de curta duração, que não poderão ser finalizados pela suspensão de aulas e “com impossibilidade de continuação pelo aluno em períodos posteriores”.

Mas Paschoal diz que é ideal evitar cancelamentos. “Mantenha a relação e negocie para ficar com um crédito para daqui alguns meses, por exemplo. A situação é complicada para todo mundo. Imagine se todos os clientes da academia ou do curso pedirem cancelamento? A empresa quebra e não é bom para ninguém”, afirma.

Mensalidades escolares precisam ser pagas?

A princípio, o mesmo direito de suspender pagamentos da mensalidade de academias podem ser aplicados para escolas, segundo o Idec.

Mas é um caso diferente, já que as escolas seguem calendários e estão submetidas a fiscalização do Ministério da Educação (Mec), por isso, “não há motivos, por exemplo, que justifiquem de forma geral a devolução de valores correspondentes a mensalidades escolares, ou de cursos anuais, que são pautados na sequência de aulas, ou na continuidade do serviço durante o período letivo, especialmente quando é viável a reposição de aulas”, diz o Idec.

Passaro explica que, na prática, o consumidor tem direito a receber valores se fica sem a prestação de serviço, por exemplo, e, nesse caso, “a maioria das escolas estão tentando substituir as aulas por atividades à distância para não deixarem de oferecer o conteúdo obrigatório”. Ainda, segundo ele, “via de regra, todo mundo está tentando suprir as atividades”.

Já Paschoal argumenta que, no caso de mensalidade de escolas, a situação é um pouco diferente. “Do ponto de vista legal, mesmo se a escola ficou uma semana sem dar aula para tentar se adaptar ao novo sistema, é plausível dado o momento. Tem que aplicar os critérios de razoabilidade em uma situação totalmente atípica”, diz.

Ainda, ele destaca que as escolas, como a maioria das empresas, têm uma credibilidade a zelar e não querem perder isso, então vão tentar se ajustar o máximo possível para prestar serviços. Então, nesse caso, o pedido de suspensão de contrato ou cancelamento faz menos sentido”, diz o advogado do Pinheiro Neto.

A recomendação do Procon-SP é a seguinte: “As escolas regulares e faculdades seguem regras do órgão competente (Mec) e estão obrigadas a ministrar todo o conteúdo pedagógico definido pela legislação. Assim, o conteúdo e aulas devem ser repostos ou ministrados por outro meio (online, por exemplo) sem que haja perda de qualidade. Cursos de línguas e outros cursos livres também devem repor o conteúdo mantendo a qualidade”, diz órgão.

Shows e formaturas: como funciona o reembolso?

No caso de entretenimento, como festas, shows e formaturas, a primeira recomendação de Efing, advogado e professor da PUC-PR, é a negociação. “Nesses casos, o show e formatura serão adiados, com uma realocação de datas e talvez atrações, mas o fornecedor não pode exigir multa por desistência dado o momento. Ainda, o consumidor pode perder o interesse, falar com a empresa e desfazer o contrato, no caso da formatura, por exemplo.

Paschoal lembra que, no caso de aglomerações, a recomendação de órgãos públicos de saúde é cancelar ou adiar, então oferecer a prorrogação do evento para um data futura será algo natural na maioria dos casos.

De acordo com o Idec, o consumidor pode exigir a devolução do valor, sem pagamento de multa, ou outras alternativas de seu interesse, como crédito para compras futuras. “Ainda que as empresas ofereçam apenas uma ou outra solução, é o consumidor quem escolhe a solução que mais lhe atende, conforme o CDC. Recomendamos que as empresas que desejam remarcar eventos ou suspendê-los comuniquem o mais rápido possível seus consumidores, evitando que possam violar o direito de informação, também previsto no CDC”.

O advogado afirma que o reembolso não deve ser imediato, mas no futuro. “A dica nesse caso é documentar toda a tratativa entre o consumidor e o fornecedor para evitar problemas. O prestador de serviço também vai querer documentar a negociação para garantia das duas partes”, explica Paschoal.

Viagem: quanto tempo demora o reembolso?

O governo federal adotou Medida Provisória nº 925 que definiu que o prazo para o reembolso do valor relativo à compra de passagens aéreas será de doze meses durante a calamidade pública. Os consumidores que aceitarem crédito para utilização no prazo de doze meses, contados da data do voo contratado, ficarão isentos das penalidades contratuais. A regra vale para as passagens compradas até 31 de dezembro de 2020.

Antonio Efing, acredita que o prazo é conveniente ao mercado. “Nesse caso, o poder executivo estabeleceu esse prejuízo ao consumidor, já que o ideal era ter o reembolso imediato. Nem sempre receber o dinheiro mais para frente vai ajudar, já que a dificuldade é agora”, afirma.

Paschoal, por outro lado, acredita que foi a solução para tentar equilibrar os dois lados, já que a pandemia não é culpa da empresa, nem do consumidor. “A devolução será completa, mas será no futuro. O fornecedor pode não conseguir honrar a devolução agora e o cliente ficaria sem nada. Dessa maneira, o consumidor receberá seu direito. Trata-se de flexibilizar o tempo de cumprimento”, afirma.

Mas, ainda segundo Efing, o consumidor teria prioridade nesse caso. “As coisas se modificaram e a situação de pandemia era imprevisível, mas o cidadão não é obrigado a avaliar esse risco e não precisa aceitar calado. A parte fraca é o consumidor, que pode pedir modificação no contrato, que agora está oneroso. Manifeste sua vontade ao fornecedor e tentar negociar para achar uma solução dentro do possível. Se a negociação não der certo, ai sim, deve buscar a intervenção do judiciário”, afirma.

Preços abusivos: como identificar?

No caso de preços abusivos, segundo Passaro, não tem um critério que defina uma porcentagem considerada muito alta de aumento. “Claro que se o consumidor encontrar um produto que custa R$5 normalmente sendo vendido por R$ 50 devo comunicar órgãos competentes. É ilegal”, diz.

Efing explica que o aumento abusivo “é aquele não tem respaldo no aumento de custos, há apenas aumento na margem de lucro do fornecedor”. “Esse tipo de prestador de serviço vai ficar a mercê de receber processos individuais e coletivos e podem perder essa lucratividade por atuarem de forma ilegal”, diz.

Troca de produto: como proceder com as lojas fechadas?

O Procon-SP explica que, em função do momento excepcional pelo qual estamos passando, alguns prazos ficam suspensos.

No caso de uma troca de produto, a recomendação para o consumidor é registrar por um e-mail o desejo de trocar o produto e enviar para o prestador de serviço, que poderá estender o prazo de troca. “Formalize a intenção de trocar o produto, mesmo que não seja possível fazer a troca ou reparo nesse momento”, diz Efing.

“Acatando as orientações das autoridades, o consumidor não deve se deslocar para levar, por exemplo, o seu veículo para a concessionária autorizada para fazer a revisão prevista na garantia, ainda que esteja dentro do prazo estipulado originalmente. O serviço deve ser realizado assim que a situação for normalizada, sem que o consumidor tenha prejuízo”, complementa o órgão.

Devolução de compra online: o prazo será estendido?

Segundo o Idec, não podem ser exigidas medidas impossíveis ou que vão contra a saúde e segurança do consumidor – como sair do isolamento no momento. “Isso seria totalmente desproporcional e feriria a boa fé que deve permear as relações de consumo”.

Nesse caso, se a pessoa quiser se arrepender dentro do prazo de sete dias, previsto no CDC, deve questionar a empresa sobre os procedimentos e também manifeste esse interesse dentro do prazo por e-mail, por exemplo, para ter provas de expressou a vontade da devolução.

Mas a princípio, segundo o órgão, não há garantia de prorrogação “apesar das cláusulas terem que ser flexíveis nesse período entendendo que o consumidor é a parte mais vulnerável”.

Problemas com a internet: a operadora pode recusar o atendimento?

O Idec informou que solicitou às grandes empresas e às autoridades nacionais medidas urgentes para impedir que parte substancial da população seja privada do acesso e utilização de serviços essenciais, indispensáveis para a garantia da dignidade humana – como o acesso à internet, água, energia elétrica, gás, transportes e à telefonia fixa e móvel.

Nesse caso, segundo Efing, a operadora não pode negar a assistência. “É um tipo de serviço que deve continuar sendo prestado. Como fornecedor, posso fazer escalas maiores, deixar parte do time em isolamento, entre outros, mas preciso atender. Mas as autoridades públicas não podem deixar as coisas chegarem nesse ponto”, diz.

Ainda, se o consumidor não for atendido e comprovar que teve prejuízos, ele pode ser indenizado, segundo Efing. “Se o cliente mostrar o prejuízo: ‘eu estava trabalhando de casa e fiquei sem internet. Ganho por hora e nesse período deixei de ganhar X reais’, a chance da indenização é alta. Mostre os protocolos e as horas que deixou de ganhar. Fora a questão que envolve prejuízos extra-patrimoniais, como o tempo que o cliente perde tentando contato, etc”, diz.

Quais as circunstâncias em que o fornecedor terá problemas se o consumidor entrar na justiça?

Antonio Efing, professor da PUC-PR, explica que “uma situação é o fornecedor agir de má fé e querer tirar proveito, e sim, o consumidor tem que cobrar seus direitos, mas entendendo a situação que estamos vivendo – que atrapalha a vida de todo mundo e em todas as esferas, os processos ficarão mais lentos”.

Outra situação é o fornecedor realmente não poder cumprir com a sua obrigação devido à epidemia. “O fornecedor tem que explicar o que está acontecendo para o cliente de maneira clara e pode não cumprir o contrato dado o momento e compensar os serviços no futuro. Tudo vai depender da negociação”, explica Efing.

Ainda, uma terceira possibilidade é o fornecedor não cumprir o contrato por despreparo. “Ou seja, por ausência de medidas que poderiam evitar a situação atual, mas que não foram tomadas antes da crise. Então, por exemplo, eu tenho contrato com um curso que pode ser dado de maneira online ou presencial. Se continuar online, não teve descontinuação do serviço e, portanto, o cliente não pode mudar o contrato”, diz.

“Mas se a empresa não se preparou e não teve infraestrutura para prestar os seus serviços e poderia estar enfrentando esse problema mesmo se não fosse uma pandemia o cliente pode pedir pra mudar contrato, seja suspensão ou cancelamento. O mercado seleciona o bom fornecedor e exclui o que não é responsável. Quando o consumidor contratou o serviço havia expectativas e a quebra delas gera o direito do consumidor querer mudanças. Claro, que sempre vai de caso a caso, mas vale alertar o consumidor sobre essa possibilidade”, diz.

Fonte Infomoney
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