As empresas estão trocando a saúde dos funcionários por alguns dólares a mais”, diz professor de Stanford

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Trabalhar está ficando cada vez mais perigoso. E não porque as pessoas exercem mais funções de risco, mas porque são pressionadas de diferentes modos que resultam em um cenário profissional comum: elas estão mais estressadas e com a saúde piorando a cada dia. Essa é a visão de Jeffrey Pfeffer, professor da Escola de Negócios de Stanford, na Califórnia, exposta em seu mais recente livro “Morrendo por um pagamento” (Tradução livre de Dying for a Paycheck. A obra ainda não tem uma edição brasileira).

Em entrevista à Época NEGÓCIOS, o professor afirmou que grande parte das empresas está ignorando completamente o bem estar de seus funcionários por achar que tal fator não é essencial para seu desempenho econômico. “Há horas extras demais, demissões em massa que geram insegurança econômica, trabalhadores temporários que não sabem quantas horas vão conseguir trabalhar na semana seguinte e quanto vão ganhar”, diz.

O resultado, segundo Pfeffer, é que a força de trabalho está cada vez mais estressada, recorrendo a medicamentos e desenvolvendo distúrbios psicológicos, que, por não mostrarem sinais claros como as doenças físicas, acabam sendo ignorados. “As pessoas estão realmente morrendo pelo pagamento”. Pior: as inovações tecnológicas e a robotização das funções geram uma pressão ainda maior sobre os trabalhadores. Há formas de reverter esse processo, mas elas também vêm sendo ignoradas pelas companhias, segundo o professor.

O título de seu livro é bem claro: estamos “morrendo pelo pagamento”. Mas o que especificamente está acontecendo? Estamos trabalhando demais, sendo maltratados no trabalho, ou ambas as coisas?

Um pouco de tudo. O que acontece é que a maior parte das companhias em todo o mundo está priorizando retorno econômico em relação ao bem estar de quem trabalha para ela. Quando você trabalha em uma empresa, confia seu bem estar físico e psicológico a ela. E muitas empresas estão fazendo mal uso dessa confiança. Há horas extras demais, demissões em massa que geram insegurança econômica, trabalhadores temporários que não sabem quantas horas vão conseguir trabalhar na semana seguinte e quanto vão ganhar. Também há, na maioria das empresas, a ausência de acomodações para que você possa cuidar da sua vida particular, como ligar para seus parentes mais velhos ou crianças.

Como isso afeta diretamente a saúde dos trabalhadores?

As pessoas estão perdendo o controle sobre o que estão fazendo, e todos esses exemplos, junto com outros, geram um aumento do estresse. O resultado é uma epidemia de estresse causado pelo ambiente de trabalho, que leva a problemas psicológicos e também a comportamentos nocivos como fumar mais, beber mais e comer mais.

Todo esse cenário leva a uma piora nos índices de saúde e de mortalidade. O Fórum Econômico Mundial estima que algo perto de 75% dos gastos com saúde no mundo todo são para tratar doenças crônicas, e elas em grande parte vêm do estresse, que por sua vez é gerado no trabalho. As pessoas estão realmente morrendo pelo pagamento.

O que seriam consideradas boas práticas para reverter esse cenário?

Em primeiro lugar, as empresas precisam se preocupar com o bem estar dos seus funcionários, para então medir de forma objetiva o que eles precisam e criar ações concretas. Há empresas como a Patagonia que têm uma estrutura para as crianças, e então as mulheres podem ir trabalhar sem passar o tempo todo preocupadas com seus filhos. A DaVita [um laboratório de saúde especializado em função renal] possui um fundo para o qual as pessoas doam voluntariamente dinheiro, e que ajuda os funcionários que estão com alguma dificuldade. E há outras companhias com benefícios mais simples que beneficiam suas equipes, ajudando no seguro saúde, por exemplo.

Mas não sai caro fazer isso?

Não, não é caro. Dar às pessoas mais autonomia em seu trabalho não custa nada. Sinalizar para os funcionários que ele está em um ambiente em que as pessoas se importam umas com as outras não custa quase nada, porque as evidências são claras: quanto mais as pessoas trabalham, menos produtivas elas são. Diversas pesquisas mostram que pessoas muito estressadas estão mais sujeitas a ficar doentes ou pedir demissão. Turnover sim sai caro para as empresas. O que as empresas criaram é uma situação de perde-perde, em vez de ganha-ganha, porque seus empregados não se beneficiam e elas também não.

A revolução tecnológica e os avanços nos meios de comunicação contribuem com esse processo?

Em grande medida, torna tudo pior. Mas o maior problema relacionado à tecnologia é a insegurança econômica, a automação que gera perda de empregos, as demissões de pessoas pela robotização das funções. Há empresas no varejo que usam um software que agenda as horas de trabalho das pessoas, e elas não sabem que horário trabalharão na próxima semana. Então muitas das inovações que surgem pioram o problema não porque são ruins, mas porque são usadas de forma que aumentam a insegurança das pessoas. Elas estão cada vez com mais medo de perder seus empregos para a automação, e se você olhar para relatórios recentes como o da McKinsey apresentado no do Fórum Econômico Mundial, vai ver que elas têm razão.

Você comentou que medir esses problemas pode ser um caminho para tratá-los da melhor maneira. Mas como fazer isso de forma objetiva?

Questionários regulares sobre como as pessoas estão se sentindo no trabalho são um primeiro passo. Mas há outras formas: você pode medir em que quantidade as pessoas da empresa estão recorrendo a remédios como antidepressivos, por exemplo. Se você tem uma força de trabalho que os usa com frequência, isso te diz algo importante. Mas praticamente não há companhias fazendo isso. Elas poderiam, mas não fazem. Basicamente, as empresas estão dispostas a trocar a saúde das pessoas por alguns dólares a mais.

E os governos, deveriam cuidar disso e alguma forma? É possível regular esse comportamento?

Sim. Anos atrás, os governos decidiram fazer algo sobre os perigos físicos no trabalho. Então a maioria dos países passou a ter algum órgão que crie regras de segurança ocupacional, para tornar o ambiente de trabalho seguro. Você não pode ficar exposto a agentes químicos, tem que usar alguma proteção se trabalha em grandes alturas. Então, se fizermos isso com relação ao espaço físico, algo poderia ser feito também com relação aos fatores psicológicos que geram estresse. Acho bastante plausível que eles poderiam ser regulamentados.

Fonte Época Negócios
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