Automação inteligente do varejo gera, simultaneamente, benefícios e ameaças

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Por Dora Kaufman, pós-Doutora COPPE-UFRJ (2017) e TIDD PUC-SP (2019), Doutora ECA-USP com período na Université Paris – Sorbonne IV.

A varejista chinesa Alibaba, desde 2016 investe pesado no conceito de “New Retail”, termo cunhado pelo seu fundador Jack Ma para definir um ecossistema que combina os canais on-line e offline; no supermercado futurista do grupo, Hema Xiansheng, inaugurado em 2015, o pagamento é automático e processado por reconhecimento facial (tecnologia de inteligência artificial/IA).

Seu competidor americano, a Amazon, em 2018 inaugurou a mercearia Amazon Go, em Seattle, onde o cliente transita pela loja, põe os produtos em sua sacola e vai embora; um aplicativo baixado previamente no celular registra as compras e os pagamentos sem qualquer interferência humana. O foco de ambos é a conveniência do consumidor (sem caixas, sem filas, mais facilidade e mais agilidade).

As tecnologias digitais estão invadindo o varejo mundo afora, extrapolando as funções de meios de pagamento. A North Face – principal fornecedora mundial de vestuário, equipamento e calçados -, oferece um sistema de compras online interativo: o cliente, por meio do processamento de linguagem natural (IA), enquanto faz compras recebe recomendações personalizadas em conversa com o “vendedor”.

Desenvolvido em parceria com a provedora de serviços Fluid e o Watson IBM, as conversas geram dados que são transformados em insights para melhorar a experiência de consumo (IA). O intuito é replicar nas plataformas eletrônicas a função do balconista de loja.

No Brasil, essas tecnologias estão sendo incorporadas no e-commerce e nas lojas físicas. Os mais visíveis são os totens de autoatendimento; o grupo GPA, por exemplo, já instalou 180 “Self Checkouts” em 23 lojas das bandeiras Pão de Açúcar e Extra (20% do faturamento total dessas lojas). O Magazine Luiza, outro exemplo, inspirado nas lojas da Apple, transformou seus vendedores em caixa, sistema implantado em 100% das lojas Magalu. Segundo especialistas, essas facilidades tendem a reduzir em 30% o tempo gasto nas lojas. A automação do varejo, aparentemente, é uma tendência inexorável porque facilita a vida do consumidor, que festeja as novidades!

Como nas demais implementações (saúde, educação, redes sociais, pesquisa, produção), as tecnologias inteligentes aportam inestimáveis benefícios e grandes desafios. No caso do varejo, o efeito negativo imediato é a eliminação de funções até então exercidas por trabalhadores humanos. Dos 16 milhões de postos de trabalho criados no Brasil entre 2003-2016, cerca de 9,2 milhões (70%) estão em risco segundo estudo do Laboratório do Futuro da Coppe – UFRJ; independente dos números estimados, que variam conforme a metodologia da pesquisa, o consenso é de que as funções de baixa qualificação são as primeiras a serem substituídas pela automação inteligente (em geral, não por coincidência, são as mais numerosas e, o que tem impacto direto nos jovens, associadas ao “primeiro emprego”).

Relatório do Fórum Econômico Mundial sobre o futuro do trabalho (setembro/2018) estima que até 2022, a mudança na divisão do trabalho entre humanos e máquinas/algoritmos afetará 75 milhões de cargos. Atualmente, em média 71% do total de horas de tarefas nos setores cobertos pelo estudo do relatório é realizada por humanos, em comparação com 29% por máquinas/algoritmos; em 2022, essa média deve mudar para 58% de horas de tarefas executadas por seres humanos e 42% por máquinas/algoritmos.

As ameaças, contudo, não estão restritas ao potencial desemprego e ao aumento da desigualdade (as tão propagadas novas funções demandam certo nível de especialização/formação que a maior parte dos trabalhadores não possui, aumentando a competição pelas funções menos qualificadas, o que implica em redução salarial/renda).

Dados

A automação do varejo gera dados que são utilizados para estruturar os modelos de previsão (treinar e aperfeiçoar os algoritmos de IA); os dados contém informações valiosas sobre o comportamento do consumidor, essencial em todas as etapas da cadeia de produção (desenvolvimento de produtos/serviços, marketing/vendas, comunicação/propaganda).

A base do funcionamento da economia do século XXI está nos dados (e não nos modelos/algoritmos de IA), responsáveis pelo atual poder e concentração de mercado das Big Techs (as gigantes de tecnologia) e, gradativamente, extensivo à todas as organizações, públicas e privadas, com capacidade de gerar, armazenar e minerar grandes quantidades de dados para extrair informações valiosas sobre quase tudo. Do uso dos dados derivam questões como proteção à privacidade dos usuários, sofisticação dos mecanismos de persuasão (comunicação hiper segmentada e assertiva), controle excessivo por corporações e governos.

A complexidade corrente não recomenda análises e soluções simplistas baseadas em poucas variáveis e/ou em raciocínio dualista (bem e mal). Os modelos de inteligência artificial, que estão permeando as atividades socioeconômicas, aportam benefícios extraordinários e, simultaneamente, sérias ameaças. O desafio posto à sociedade é como conciliar ambos os efeitos!

Fonte Época Negócios
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