Apple tenta se reinventar com o HomePod

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Uma das maiores forças da Apple é o seu timing. A empresa celebrada pela inovação, nem sempre foi pioneira – não criou o primeiro computador pessoal, nem o primeiro tocador digital de música ou mesmo o primeiro smartphone. Em vez disso, a Apple reinventa, infiltrando-se e produzindo algo ainda mais original do que usávamos.

Há um projeto que vai tentar usar o mesmo recurso com um dispositivo chamado HomePod. A engenhoca de US$349, que a Apple revelou neste mês em sua conferência anual de desenvolvimento, começará a ser vendido em dezembro. O produto é inspirado pelo Echo da Amazon, o alto-falante inteligente que abriga a assistente virtual da empresa, a Alexa. No início o Echo soou como piada, porém foi conquistando as pessoas, muitas agora apaixonadas por ele.

A versão da Apple tem o mesmo estilo dos outros produtos da empresa: bonito, quase o dobro do preço do Echo e com qualidade de som muito superior. Ele tem inclusive a capacidade de criar um tipo de ambientação sonora personalizada para sua sala.

No entanto, a reinvenção mais importante não é unicamente a do dispositivo. O sucesso do HomePod dependerá realmente da capacidade de toda a Apple se reinventar.

Faz algum tempo que ela vem sendo questionada sobre seu crescimento e sobre quais seriam os próximos coelhos a sair de sua cartola. Isso acontece em um momento em que seus rivais, incluindo Google, Facebook e Amazon, parecem mergulhar nas tecnologias emergentes, como a Inteligência Artificial (IA), a realidade virtual e a aumentada. 

Seu iPhone continua a ser o dispositivo de computação mais rentável do mundo – por enquanto, a empresa navega em céu de brigadeiro. Porém, em longo prazo, suas perspectivas parecem ficar nubladas. A Apple corre o risco de se tornar anacrônica em um mundo que se preocupa menos com a beleza do hardware e mais com os serviços que são de fato úteis, mesmo de longe, sem a necessidade de ser tocado.

O HomePod será um teste de como a empresa reage a essas dificuldades. Isso porque, para superar a Amazon nesse jogo de assistência doméstica, ela precisará priorizar habilidades que têm sido relegadas ao segundo plano – como seus serviços de armazenamento na nuvem e de IA.

Mas o mais surpreendente ainda está por vir: a Apple parece disposta a tal reinvenção. Lendo nas entrelinhas de seu discurso inaugural, nota-se diferença na postura. Novamente, como xamãs convocando uma poderosa mágica, os executivos da Apple usaram os chavões da modernização computacional: “aprendizado de máquinas”, “aprendizado profundo” e “visão do computador”.

Com certeza estavam sutilmente sugerindo uma mudança. A Apple está se transformando em um novo tipo de empresa, aquela que prioriza tecnologias nerds que se tornarão o fundamento das máquinas inteligentes do futuro – isso considerando que, anteriormente, ela tendia a esconder essas coisas, mesmo reconhecendo sua importância.

Essa mudança não significa que o HomePod será um sucesso, ou mesmo que o dispositivo da Amazon estará em apuros – mesmo porque este último carrega a vantagem de ser muito mais barato e já contar com inúmeros fãs devotos. O Echo estabeleceu um tipo de dinâmica que será difícil superar. Além disso, ninguém sabe ainda se o HomePod vai funcionar bem.

De maneira geral, o dispositivo parece fazer tudo o que seus rivais também fazem. Diga, “Ei Siri, toque Carly Rae Jepsen”, e o aparelho tocará em alto e bom som um pop canadense. Ele também responderá perguntas sobre a música que está tocando e, como o Echo, pode executar várias outras funções – definir temporizadores, informar o clima, controlar as luzes inteligentes e outros dispositivos da casa.

O HomePod carece de muita coisa que o Echo vem aperfeiçoando. Por enquanto, parece que está sujeito ao ecossistema da Apple. A empresa afirmou que se conecta ao seu próprio serviço de música por assinatura, mas se recusou a especificar se o aparelho tocará músicas do Spotify ou de outros serviços. Também não declarou nada sobre uma das melhores características do Echo, a possibilidade de terceiros criarem funções adicionais ao aparelho. A Alexa pede um Uber para você; o HomePod talvez peça que você faça isso pelo celular.

E vale lembrar que o HomePod não tem integração profunda com a loja on-line da Amazon. Para muitos usuários essa é uma característica definidora: o sabão em pó está acabando? A Alexa compra on-line para você. Já a Siri não é capaz de fazer o mesmo.

No entanto, esses tipos de omissões são esperados em um dispositivo novo. A Apple provavelmente trará melhoria em suas atualizações. O mais importante agora é se o HomePod executará bem suas funções básicas.

Se você é um usuário de longa data da Siri, o ceticismo é garantido. A melhor coisa sobre o alto-falante da Amazon é sua confiabilidade: diga algo de muito longe, mesmo em uma sala barulhenta e, na maioria das vezes, ele pelo menos reconhecerá o que você pediu. Uma vez que você entenda os tipos de perguntas que o aparelho aceita, a Alexa passa a ser uma interface completamente natural para os computadores. Ela responde tão rapidamente que parece mais um membro bastante prestativo da família do que um computador compacto.

A Siri vai conseguir fazer isso no HomePod? Ainda não posso garantir. Tive a chance de ouvir o HomePod – mas não usar qualquer de suas funções ativas de voz – após a palestra inaugural da Apple. Como a empresa prometeu, ele de fato soa muito mais profundo e rico que o Sonos Play 3 ou que o Echo. Pode ser comparado ao que você ouve em um sistema estéreo da melhor linha. Mas o verdadeiro teste para tal dispositivo é sua funcionalidade em condições reais, ao lidar com a multiplicidade de solicitações necessárias no dia a dia. Por enquanto, não temos ideia de como isso funcionará.

O otimismo é cauteloso, principalmente tendo por base outros recursos computacionais mais complexos que a Apple apresentou neste mês. Muitos deles são versões de recursos que tem sido por anos aperfeiçoados pelos seus rivais, como o Google.

Por exemplo, a partir de agora, a Siri traduzirá línguas para você. Como boa assistente, Siri agora também fará previsões melhores – ela quer detectar problemas comuns e oferecer ajuda (se ela percebe que você andou falando sobre um novo compromisso, por exemplo, oferecerá a opção de adicioná-lo ao seu calendário).

E o melhor de tudo, finalmente a Siri é uma pessoa unificada em todos os dispositivos. No passado, a Siri do seu iPad era diferente da do seu Mac – uma poderia saber que você está indo para a Islândia e a outra talvez nunca descobrisse. Agora, semelhante a outros assistentes, a Siri o reconhece e antecipa seus interesses em qualquer dispositivo que você usar.

E mais, a Apple já permite que os desenvolvedores criem aplicativos que executam tarefas de aprendizagem de máquina em seus dispositivos. Ela também está mergulhando intensamente na visão computacional. Os desenvolvedores agora criam recursos de realidade aumentada, ou seja, eles adicionam objetos virtuais sobrepostos a imagens do mundo real.

Se você segue a indústria de tecnologia, sabe que esses são todos temas quentes nos quais outras empresas estão investindo pesado. A Apple ainda é a retardatária. Não acredito que, em termos de Inteligência Artificial, ela consiga se sobrepor ao Google tão cedo.

Mas não precisa disso. Para a Apple, basta se manter competitiva – tem que investir apenas o suficiente neste futuro dirigido pela IA para que seus dispositivos continuem atrativos. Não há nenhum erro em fazer isso apenas agora.

Fonte Exame.com
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