“Método Google” de lidar com erros pode melhorar, se incorporar a solução de problemas lean

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Por Flávio Picchi, presidente do Lean Institute Brasil e Prof. Dr. da Unicamp

O Google divulgou recentemente seu método interno sobre como lidar com erros. Intitulado de postmortem (que poderíamos traduzir livremente por “autópsia”), trata-se um método aparentemente simples, com três fases que, segundo o Google, podem ser aplicadas em qualquer empresa.

Em resumo, são elas: 1ª) identifique os erros mais importantes que ocorrem na empresa; 2º) então, “registre” as falhas e reflita sobre elas: o que aconteceu, por que aconteceu…; e 3º) não busque culpados nesse processo.

Que interessante! Desde a década de 80 que o sistema lean, filosofia de gestão inspirada no modelo Toyota, divulga a ideia de que deve-se considerar verdadeiros tesouros os problemas que ocorrem cotidianamente nas empresas (que envolvem erros, falhas, e qualquer outro tipo de desvio em relação ao desejado). Não devem ser escondidos ou camuflados. E é sabendo como lidar e aprender com os problemas e erros que as organizações realmente crescem.

E também sempre enfatizou que o importante é identificar as causas, e não os culpados, melhorando os processos. A máxima lean é: ao se deparar com problemas, pergunte 5 vezes “por que”, e não 5 vezes “quem”. Na verdade, o conceito lean adotou e aperfeiçoou essa ideia dos conceitos de qualidade total, que foram desenvolvidos inicialmente no Japão na década de 70.

O Google, com toda a visibilidade que traz a tudo que faz, dá uma grande contribuição ao apresentar um método simples e ao colocar no foco a oportunidade de aprender com os erros. Saber lidar com os erros é algo bastante valorizado em ambientes altamente inovadores e com muitas incertezas, como, por exemplo, o das startups, mas é também fundamental para qualquer empresa.

Esta discussão pode ser ainda mais interessante se acrescentarmos alguns elementos do enfoque de solução de problemas, que está no cerne da filosofia lean. Aponto a seguir algumas dessas questões, que podem ser úteis para aqueles que passem a tratar mais sistematicamente os erros e problemas, estimulados pelo método Google.

Estimule “expor problemas”. Na mentalidade lean, diversos métodos são utilizados para que os problemas sejam expostos assim que ocorrem, e antes que se tornem grandes. É por isso que se dá importância nessa filosofia gerencial para o estabelecimento de padrões, ritmos e gestões visuais, que possibilitem que qualquer desvio seja detectado e exposto imediatamente. Assim, as pessoas imediatamente envolvidas, na base, podem buscar a solução rápida desses problemas, restabelecendo a normalidade aos processos, de forma a manter a entrega de valor aos clientes com o mínimo de variação.

Pequenos ou grandes, todos problemas devem ser abordados. O primeiro passo do “método Google” prega que se deve identificar os erros mais importantes. Sem dúvida, critérios de priorização são fundamentais, uma vez que é impossível se atacar todos os problemas existentes de uma vez. No clássico método de solução de problemas, isso é feito muitas vezes através de análises de Pareto (aquela forma de se ordenar os problemas em ordem decrescente de impacto). Não são apenas as grandes falhas que causam prejuízos às organizações. Muitos pequenos problemas, juntos, fazem mais estragos cotidianamente do que um único grande erro. Além disso, os pequenos problemas são aqueles que mais ficam escondidos. E com o tempo, vão se tornando maiores, mais complexos e difíceis de serem resolvidos. Assim, é melhor encontrá-los e atacá-los enquanto são pequenos e antes que fiquem incontroláveis. Por isso, no sistema lean, todo e qualquer problema deve ser enfrentado, em diferentes níveis e com métodos adequados. Por exemplo, um grupo gerencial pode usar um completo PDCA para um problema estratégico, e cada funcionário pode resolver pequenos desvios nas suas atividades todo dia, usando os 5 porquês.

Busque as “causas raízes”. “Registrar” e discutir sobre os erros, como diz o método Google, é fundamental. Porém, nesse processo, é preciso fazer algo mais específico: procurar as “causas raízes” dos erros. É muito comum vermos empresas “achando” que resolveram problemas simplesmente porque os revelaram e deram alguma solução. Porém as mesmas falhas logo retornam. Por quê? Porque não se conseguiu ou sequer se tentou entender bem o problema e encontrar e eliminar suas causas raízes. No sistema lean, há um método científico de resolução de falhas, cuja base inicial é caracterizar bem o problema e buscar a causa raiz. Sem encontrá-la, pouco adiantará somente “registrar” e até mesmo discutir o problema.

Não culpe as pessoas; procure as deficiências dos processos. E para que tudo isso ocorra no dia a dia, para que os problemas sejam buscados, revelados, terem suas causas raízes identificadas, enfim, para que sejam definitivamente resolvidos, como um processo cotidiano dentro das empresas, é preciso tirar a culpa das pessoas e focar os processos. Há essa visão no método Google, como se vê, mas é preciso dizer que isso deve ser o ponto inicial, fundamental e, mais do que isso, exige uma grande mudança cultural e de comportamento da liderança. São os líderes que devem mudar, apoiando as pessoas como um coach, ensinando-lhes a resolver problemas com método científico e dando o exemplo. É preciso criar essa cultura básica e fundamental dentro da empresa, que vai contra a cultura dominante da gestão tradicional, que sempre responsabiliza pessoas, quando, na verdade, os processos é que são ruins.

Que bom que o Google, uma das empresas mais valorizadas do mundo, venha a público divulgar que tem um método simples para gerir e aprender com os erros. Mas é preciso, até por justiça histórica, dizer que essa ideia tem pelo menos 50 anos e que é importante incorporar mais alguns elementos da solução de problemas para um enfoque ainda mais efetivo.

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