Cultura da fartura impulsiona desperdício de alimentos no Brasil

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A cultura do “é melhor sobrar do que faltar” impulsiona o desperdício de alimentos no Brasil, aponta uma pesquisa recente realizada pela Embrapa com apoio da Fundação Getúlio Vargas. O gosto pela fartura, desde a ida ao supermercado até o preparo das refeições, e a preferência por comida fresca à mesa faz com que cada brasileiro jogue mais de 40 quilos de comida no lixo por ano.

Além de ser associada à hospitalidade e ao cuidado com a família, a abundância está ligada ao status, aponta o estudo. “O Brasil é um país muito desigual, e a comida sinaliza riqueza. Famílias que enfrentaram pobreza no passado, por exemplo, tendem a gostar de preparar uma mesa farta, como forma de mostrar que vivem tempos melhores”, afirma Gustavo Porpino, analista da Embrapa e líder da pesquisa sobre desperdício, realizada no âmbito dos Diálogos Setoriais União Europeia-Brasil.

Ter a despensa sempre abastecida também traz tranquilidade para quem tem baixo poder aquisitivo. Por ser prioridade no orçamento, a comida é comprada e estocada em grandes quantidades para garantir que será suficiente para todo o mês. Contudo, o preparo de porções exageradas e o não reaproveitamento das sobras fazem com que parte da comida vá diretamente para o lixo.

A classe social não é o que determina o desperdício, aponta a pesquisa da Embrapa. “As famílias que desperdiçam pouco não são necessariamente as mais pobres, mas as que adotam hábitos de consumo mais sustentáveis”, explica Porpino.

Na prática, são as pessoas que fazem compras menores, preparam lista de compras e reutilizam as sobras em novas refeições. A pesquisa, que ouviu 1.764 pessoas de toas as classes sociais e regiões do país, aponta que quem tem maior consciência sobre o impacto do desperdício no orçamento tende a descartar menos comida.

Segundo o estudo, a família brasileira joga fora quase 130 quilos de comida por ano, uma média de 41,6 quilos por pessoa. Os alimentos que mais vão para o lixo, por percentual do total desperdiçado, são: arroz (22%), carne bovina (20%), feijão (16%) e frango (15%).

Cálculos do Instituto Akatu, ONG voltada ao consumo consciente, indicam que se uma família brasileira que gasta em média 650 reais por mês com alimentos reduzisse pela metade o desperdício com comida e depositasse o valor equivalente (cerca de 90 reais por mês) numa poupança, acumularia cerca de 1 milhão de reais em 70 anos, considerando o rendimento anual.

Além de pesar no bolso, o desperdício prejudica o meio ambiente, pois os recursos utilizados na agricultura para a produção de alimentos, como água, acabam sendo em vão.

“A Fao [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura] estima que se o desperdício de alimentos fosse concentrado em um único país, ele seria o terceiro maior emissor de gases de efeito estufa do mundo, depois dos EUA e da China, representando 8% das emissões globais, e o maior usuário de água, ultrapassando a Índia e a China”, compara Helio Mattar, diretor-presidente do Instituto Akatu.

Além da renda familiar e de recursos naturais, com o desperdício de alimentos aptos ao consumo vai para o lixo também a oportunidade de alimentar quem sofre com a fome.

“No Brasil, o elevado desperdício de alimentos convive com a insegurança alimentar, uma combinação infeliz para um país onde 22,6% da população enfrenta algum nível de insegurança alimentar e com 54,8 milhões de pessoas vivendo com até 5,5 dólares por dia, linha de pobreza proposta pelo Banco Mundial”, comenta Porpino.

A pesquisa sugere que os brasileiros não estão alheios aos malefícios do desperdício. A grande maioria dos entrevistados (94%) tem consciência de que devem evitá-lo. Segundo Porpino, as sobras até são guardadas na geladeira, como forma de aliviar a culpa, mas não são de fato reaproveitadas. Assim, o descarte é apenas procrastinado.

No âmbito internacional, um terço da produção total de alimentos, ou 1,3 bilhão de toneladas, vai para o lixo, o que seria suficiente para alimentar 2 bilhões de pessoas, de acordo com cálculos da Fao. Com base nesse cálculo, é possível estimar que 8,7 milhões de toneladas de comida são desperdiçadas no Brasil, o suficiente para alimentar mais de 13 milhões de pessoas.

Ainda de acordo com o estudo, os números do Brasil o posicionam à frente da maioria dos países europeus. Uma pesquisa da União Europeia publicada em 2017, por exemplo, revelou que na Alemanha, Espanha, Holanda e Hungria são desperdiçados, em média, 439 gramas de comida por domicílio por semana, enquanto no Brasil são 353 gramas por domicílio por dia.

Uma das metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas é reduzir pela metade o desperdício per capita de alimentos no mundo até 2030. Segundo Mattar, quantificar o desperdício de alimentos e fortalecer os sistemas de informação sobre a geração e coleta de resíduos em cada país é fundamental para que tal objetivo seja alcançado.

Fonte G1
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