“As grandes empresas, hoje, podem ser quebradas por uma dupla de jovens de 17 anos”

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Dois jovens irlandeses que largaram os estudos e abriram uma startup de pagamentos ou uma fintech chinesa que já vale mais de US$ 3 bilhões podem quebrar sua empresa. Estamos falando da Stripe e da Ant Financial, respectivamente. O alerta vem do professor Séan Meehan, que comanda o programa de MBA da escola suíça IMD. Ele usa os exemplos para explicar o tamanho do desafio que as grandes empresas têm pela frente. Ambas startups tornaram-se bilionárias e referências em negócios disruptivos. E, na visão de Meehan, para lutar com elas, as instituições tradicionais precisam se tornar mais empreendedoras, garantir mais mulheres na gestão e realizar, de fato, uma transformação digital. Também precisam, segundo o professor, treinar os profissionais. “Muitos não perderão o emprego por causa das máquinas, mas sim porque as empresas não terão sabido se adaptar para continuarem competitivas”, diz Séan. Em conversa com Época NEGÓCIOS, o professor explica como a tradicional escola suíça mudou seu programa para incluir o ensino de competências digitais e fala sobre as características que definirão os líderes e as empresas do futuro:

Qual é o objetivo do programa de MBA do IMD hoje?

Nosso objetivo é preparar, por um ano, os profissionais que serão líderes nos próximos sete anos. Nosso estudante tem, em média, 30 anos. Ele já é alguém que a empresa identificou como potencial talento para liderança. Alguém que pode promover um grande impacto, que já foi testado, promovido e ganhou grandes responsabilidades, para quem sabe um dia assumir o cargo de CEO ou uma cadeira do conselho de administração. É um objetivo ambicioso considerar hoje o profissional que será necessário num futuro não tão próximo.

E quem é esse líder do futuro?

Nós estamos constantemente nos indagando quem será o líder de amanhã. E, para saber, perguntamos diretamente às empresas o que elas precisam. E o que elas têm nos dito é que precisam de mais mulheres nas posições seniores. Isso parece ser apenas bom senso, mas é uma grande mudança. Indica que as companhias estão se movendo em prol da diversidade. E quer dizer que nós também precisamos buscar diversidade. Se tivermos uma classe só de homens, as empresas não nos contratarão. Mas é uma tarefa difícil. Com exceção dos países escandinavos, você não vê hoje muitas mulheres em posições de gestão. É uma situação que persiste há tempos. Não vamos mudar nossos padrões estabelecendo regras diferentes de seleção para homens e mulheres. Por isso, precisamos ver uma mudança no mercado. Nós não conseguimos controlar a qualidade dos candidatos que batem à nossa porta, mas podemos ajudar fornecendo bolsas, expondo mais mulheres nos artigos que escrevemos e realizando ações de marketing para atraí-las.

As empresas estão dispostas a fornecer um ambiente para que essas mulheres se desenvolvam, cresçam e, assim, tenham acesso a um MBA em escolas como o IMD?

As empresas estão se tornando mais realistas a respeito das exigências que envolvem a vida de uma profissional mulher. E acredito que a sociedade está adotando uma postura mais exigente em relação à participação dos homens na criação dos filhos. Vivemos um momento mais favorável às mulheres nos negócios. Não faz sentido persistimos na situação atual de 15% das mulheres no topo da gestão. Nós tivemos várias mulheres com filhos pequenos estudando no nosso MBA. Elas conseguiram conciliar as duas tarefas e foram extremamente bem. Em 2000, tivemos 17 mulheres entre os 90 alunos do programa (19%). Neste ano, esse número é de 28%. O objetivo é chegar a 35% em 2019. Em quatro anos, queremos alcançar 50%.

Como vocês adaptaram o programa para incluir novas competências digitais?

Consideramos três dimensões que irão impactar as empresas em 2026. As companhias serão muito mais empreendedoras, com um estrutura menos burocrática, além de dispostas a aceitar falhas. Ou seja, terão as características de uma empresa pequena. Em segundo lugar: o mundo se tornará ainda mais digital. Não retrocederemos neste aspecto, não dá para se desligar do digital. Os profissionais precisam ter as competências deste novo mundo. E, em terceiro lugar, as empresas serão ainda mais globais. São por essas três razões que dobramos a ênfase do programa em empreendedorismo — algo que introduzimos de forma mais tímida em 2002. Nós criamos também um laboratório digital para os alunos aprenderem a programar e a desenvolver aplicativos. E para perceberem como é fácil para qualquer jovem hoje criar um negócio. Promovemos ainda uma viagem com toda a classe para o Vale do Silício, Cingapura e Bangalore.

Por que Cingapura e Bangalore?

Cingapura criou seu próprio ecossistema para fomentar novas ideias e se tornou um novo Vale do Silício, especialmente no campo da inteligência artificial. Já Bangalore é um exemplo de cidade que abraçou o digital. Lá, há vários empreendedores criando novas indústrias e competindo em pé de igualdade com empresas americanas.

Todo mundo fala hoje sobre a transformação digital e a necessidade de realizá-la. As empresas realmente estão conseguindo virar digitais?

Ninguém falava em transformação digital há cinco anos. Hoje é um discurso comum, porque as mudanças estão ocorrendo muito rápido. Veja o setor bancário. Ele não sofria uma grande disrupção há muitos anos, mas agora precisa redesenhar sua estrutura de uma forma completamente diferente. Precisa repensar sua arquitetura, cultura e processo operacional. Era uma indústria que só se transformava a partir de mudanças regulatórias e que agora é ameaçada pelas fintechs e precisa lidar com desafios totalmente novos, como oferecer serviços pela internet. Um exemplo é o banco DBS, que tinha o objetivo de entrar na Índia, um mercado bem difícil de competir. O CEO é um executivo de visão que percebeu logo o quão rápido o Alibaba, por exemplo, está ganhando espaço e potencial no mundo das finanças. E disse: olha, se nós não formos capazes de competir com o Ant Financial, do Alibaba, vamos estar mortos logo. O futuro não é mais apenas competir apenas com o HSBC e o Citi. É sobretudo saber enfrentar as fintechs, as novas empresas de tecnologia que estão conquistando um número massivo de consumidores — e todo o dinheiro deles. Por isso, as grandes empresas e os bancos precisam de uma mudança cultural.

Com o que as empresas precisam se preocupar mais hoje em dia?

São dois fatores a se ter em mente: há muito mais disrupção e maior capacidade para dois jovens de qualquer país sentarem juntos e criarem um negócio bilionário. Um exemplo são os irlandeses Patrick e John Collins, fundadores da Stripe, uma plataforma de pagamentos que virou unicórnio. Ambos largaram os estudos para abrir a empresa. Há 20 anos, eles não teriam conseguido. Hoje, a tecnologia permite isso. Portanto, as empresas precisam ter a consciência de que podem ser quebradas por uma dupla de jovens de 17 anos — que não fica necessariamente em uma garagem desenvolvendo produtos por cinco anos. Mas, ao contrário, que cria um negócio em cinco meses. Além disso, há muito mais capital disponível para boas ideias.

Dentro das empresas, as pessoas estão com medo de perder seus empregos nesse futuro digital. Você acha que esse temor é válido?

Certamente, há funções que as máquinas irão realizar melhor do que os humanos. Mas não acho que há tanta razão para temermos isso. O mundo já viu disrupções em larga escala antes e aprendeu a lidar com elas. Nunca subestime a habilidade das pessoas em pensar em novos caminhos. O que não dá para elas fazerem é pegar a lista de empregos em alta do ano passado e achar que seguir um deles é o caminho de sucesso para o futuro. É mais eficaz repensar o trabalho que você realiza hoje e as possibilidades que ele te abre. Além disso, é papel das empresas ajudar os profissionais nessa mudança. É importante elas garantirem sua competitividade no futuro. Muita gente não terá emprego, se elas não se adaptarem.

Todo mundo fala sobre as soft skills, sobre a necessidade de colaborar, trabalhar em equipe, ter inteligência emocional. Por que afinal estamos falando tanto nisso agora?

Acho que é porque finalmente percebemos que são essas as habilidades que importam. Eu não acredito que um CEO de sucesso chegou a essa posição, porque tem habilidades especiais em marketing, contabilidade ou finanças. Mas, sim, pela sua habilidade em atrair um monte de gente para realizar coisas novas, solucionar problemas e tomar riscos. E como um CEO aprende isso? Na prática, expondo-se a riscos, lidando com pessoas diferentes, de culturas diferentes, tentando fazer coisas diferentes. A liderança se desenvolve na prática, observando e fazendo.

Por que, diante de tantos desafios, o IMD acredita que fazer um MBA continua sendo importante?

Eu não me proponho a advogar pelo MBA. Eu me proponho a advogar por boas formas de gestão. Acho que precisamos de grandes empresas para tomar decisões inteligentes e proteger nosso futuro. As companhias impulsionam nossa economia. Elas precisam conhecer pessoas ambiciosas e bem treinadas, qualificadas para liderá-las. Nosso programa é focado nisso, não treinamos o gerente médio. E não estamos dizendo que todo mundo precisa de um MBA. Estamos dizendo que as empresas precisam de liderança e, contanto que um MBA prepare esses líderes, esta já será uma contribuição enorme para a sociedade. Se todos os MBA forem iguais, todos serão apenas um pedaço de papel, um certificado. Não acho que isso realmente estará ajudando a sociedade. O que precisamos é desafiar as pessoas a criar impacto.

Fonte InfoMoney
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