Duas histórias de Deltan Dallagnol para inspirar a gestão empresarial

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Convidado para falar no último dia do Congresso Nacional sobre Gestão de Pessoas (Conarh), que reúne profissionais da área de recursos humanos de todo o país, o procurador do Ministério Público Federal Deltan Dallagnol não tinha experiência empresarial a oferecer. Nem por isso deixou de contar uma história para inspirar a plateia de executivos a levar para suas empresas melhores práticas de gestão, compliance e responsabilidade social.

Em um discurso permeado por passagens da Operação Lava Jato, em que Dallagnol atua desde o início, e apelos para uma maior participação popular contra a corrupção, o procurador contou duas histórias de momentos-chave de sua trajetória. Uma delas começa junto com a sua participação na operação que se tornou a mais famosa da história do país, em março de 2014:

“Naquele dia, bateu à minha porta a pessoa que coordenava o trabalho dos procuradores criminais do MPF, e me chamou para entrar num amplo caso criminal. Eu só sabia que aquilo seria uma grande montanha de trabalho, em um caso naquela época desconhecido, num período em que eu tinha um filho de 6 meses e várias investigações acumuladas. Eu tinha muitos motivos para dizer não”, contou.

Mas disse sim, ele afirma, pelo compromisso que cada um deve ter contra o abuso do poder público e pela moralidade da vida política – independentemente da posição ou da área em que se atua. “Com tanta corrupção, as pessoas vão se tornando anestesiadas, cínicas, e chegam a pensar: ‘se todos fazem lá em cima, por que eu não posso fazer aqui embaixo?’”

Esse pensamento acaba motivando, diz o procurador, a “segunda face” da corrupção: a de quem paga. “Apenas se dizer contra a corrupção não nos exime de fazer a nossa parte em qualquer campo. E eu aceitei o desafio, que resultou num novo modelo de investigação, com mais de 80 mil documentos, milhões de reais repatriados para os cofres públicos e dezenas de políticos presos”, lembrou.

A segunda história retrata um período em que já se falava da Lava Jato à exaustão, mas, enquanto seus avanços eram comemorados, também se questionava o quanto ela poderia contribuir a longo prazo com o combate à corrupção. Naquela época, em 2015, ele afirma ter sido procurado pelo procurador Diogo Castor de Mattos, seu colega no MPF, com ideias sobre como levar esse debate adiante.

“O Diogo veio até mim dizendo que, por mais que pegássemos mais pessoas, não seria o suficiente para acabar com a corrupção sistêmica. Precisávamos propor medidas que mantivessem os avanços no futuro, para toda a sociedade”. Após ter embarcado na ideia – que resultou nas dez medidas contra a corrupção, apresentadas no início de 2015 – a frustração veio ao não ver a proposta avançar no legislativo ou na opinião pública.

“Me senti impotente por um momento, que não adiantaria nada. Mas conversamos e percebemos que aquilo não podia ficar parado. Eu vi que, achando que estou no limite das minhas ações, não posso desistir. Preciso seguir fazendo o que está ao meu alcance.” As dez medidas foram então para uma campanha nas ruas, onde foram coletadas mais de dois milhões de assinaturas para um projeto de lei de iniciativa popular.

A iniciativa tomou um golpe quando, em meio às comoção pelo acidente aéreo envolvendo a equipe de futebol da Chapecoense, em novembro de 2016, o Congresso desfigurou as medidas e aprovou um projeto muito mais ameno. Mas, novamente, não houve desistência: Novas parcerias foram buscadas, a recentemente um novo conjunto de medidas, com apoio da Fundação Getulio Vargas e da Transparência Internacional, entre outras organizações, foi apresentado por Dallagnol no evento.

E o RH com isso?

Para o procurador, a principal lição que as empresas podem tirar da Lava Jato para seu dia a dia é que a corrupção acontece em muitos níveis, inclusive no dia a dia empresarial. Pressão por resultados a qualquer custo e a impaciência pelo crescimento são dois cenários que, frequentemente, podem levar empresas a práticas ilícitas – e o departamento de recursos humanos é chave, segundo ele, no monitoramento das equipes.

“O RH pode promover uma nova cultura organizacional e de cidadania. Que reforce responsabilidade social das empresas e rejeite a corrupção. Que lembre que a corrupção tem duas faces: a de quem recebe e de quem paga. E que precisamos de empresários e colaboradores que decidam firmemente não pagar”, disse.

É necessário, diz ele, que o setor empresarial “ressignifique” alguns conceitos. “Foco nos resultados”, por exemplo, o fez questionar: “então se faz negócio a qualquer custo para ter bons resultados?”. Da mesma forma, continuou, empresas que “fazem qualquer negócio” estão se colocando numa posição perigosa. “Todos devem ter por princípio que não, não fazemos qualquer negócio.”

Para que essa cultura seja promovida dentro das companhias, é necessário que áreas como compliance, integridade e responsabilidade social não sejam mais vistas como “patinhos feios” do ambiente corporativo, recebendo poucos investimentos. “Você deixaria de investir nos freios de seu carro? Com certeza todos gostam de acelerar, mas e quando há um perigo à frente? E o freio das empresas é o seu ciclo de integridade, suas práticas de compliance.”

Fonte Época Negócios
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