A ética é o melhor dos investimentos

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Imagine ter um apartamento apenas para guardar dinheiro? Sim, dinheiro vivo, em papel-moeda. E andar com uma mala que não contém roupas, sapatos nem itens de higiene, mas apenas cédulas de dinheiro? Por mais insólitas que possam parecer, como é do conhecimento de todos essas situações hipotéticas se tornaram realidade no Brasil, em pleno 2017.

Um ano difícil ou uma história de dificuldades? No que tange às questões de integridade nos negócios, esta é uma questão a ser compreendida, quando analisamos as denúncias deflagradas nas operações da Polícia Federal (PF), como a Lava Jato, que têm evidenciado o quanto é longo o caminho para a indução de boas práticas de transparência e integridade no ambiente corporativo e no Estado brasileiro.

O sentimento de indignação é geral, como expressam os versos de Elisa Lucinda, em Só de Sacanagem: “Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu, do nosso dinheiro que reservamos duramente para educar os meninos mais pobres que eu, para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade…”

Mas apesar da impressão de que agora “a coisa está mais complicada”, a história nos conta que não é bem assim. Lavagem de dinheiro, delações tendenciosas, propina, dinheiro sem procedência escondido em apartamento, malas… e tantos outros episódios que hoje nos alardeiam, dando a sensação de que estamos vivendo o ápice do caos, podem ser, em uma de suas vertentes, apenas o desdobramento de práticas quase tão antigas como a nossa própria história.

A corrupção é um problema que acompanha a humanidade desde os seus primórdios, e só passou a ser combatida a partir da segunda metade do século 20. E nem é exclusividade de países menos desenvolvidos. Até pouco tempo atrás, na Alemanha, os valores gastos com o pagamento de propinas podiam ser deduzidos no Imposto de Renda. Isso só acabou depois de uma reforma na legislação, nos anos 90.

No Brasil, desde o final da década de 70 vivemos sob o fantasma da Lei de Gérson (que se desculpou pelo infeliz comercial), onde a vantagem supera quaisquer outros valores. E, em um ambiente como este, o perfil da nação ganha contornos que dizem muito sobre o que vimos explodir na mídia em 2017. Lembro-me de ter ficado assustado ao me deparar com a normalidade vexatória presente nos relatos da alta direção das empresas investigadas na Operação Lava Jato. O que está nos vídeos e depoimentos são práticas conscientes de como capturar o Estado para fins privados, promovendo a corrupção ao papel de protagonista no modelo de seus negócios, de geração para geração.

O nauseante espetáculo que agora se vê é a revelação de práticas ancestrais que não mais se escondem “embaixo do tapete”. Além disso, o aumento da percepção de corrupção no país pode estar ligado também ao fato de se investir mais no combate a ela. É simples: quanto mais autonomia e mais investimento nos mecanismos de combate, mais os casos virão à tona.

Com maior evidência e publicidade dos casos, a sociedade civil começa a se engajar cada vez mais nessa pauta, aumentando sua visibilidade. Com mais independência para o Ministério Público, profissionalização e investimento na PF, multiplicam-se os incentivos para que as investigações e operações sejam realizadas, resultando, portanto, em uma ampliação das investigações.

O momento pode parecer desalentador, mas esta é uma etapa pela qual o país deve passar, e que ela seja um divisor de águas. Muito se fala no alto custo da corrupção para nossa sociedade. As cifras são milionárias, e o dano social ainda maior. Após o ano que passamos, as empresas devem avaliar qual o custo total ao terem seu nome e marcas envolvidos em atos ilícitos. Perdas financeiras, reputacionais e de credibilidade junto ao mercado podem ser irreparáveis.

Uma economia fundamentada em valores éticos e princípios de integridade é, além de mais justa e sustentável, mais eficiente na lógica mercadológica. Estamos diante de um momento de inflexão: a corrupção tornou-se um dos maiores dilemas a serem enfrentados e, nesse sentido, temos a oportunidade de refletir sobre os princípios que devem nortear as decisões da alta liderança. Por exemplo, dar um peso maior na avaliação das perdas econômicas e balancear o quanto é mais viável e assertivo investir em práticas empresariais e ferramentas que auxiliam na caminhada ética e transparente.

Está aí uma questão chave para a mudança: entender que há como atuar pautado em princípios éticos e obter a credibilidade e a ascensão no ambiente corporativo. Se faz necessário que as empresas revejam suas práticas de forma cautelosa, fazendo uma análise fundamentada nos princípios éticos e de integridade, de forma a ter uma real clareza sobre quais são as normas e diretrizes que irão adotar. Que nesta autoanálise reconheçam de forma verdadeira o quanto a cultura interna influencia na adoção de posturas inadequadas.

Sistemas de controle falhos, ausência de regras e normas claras de conduta, canal de denúncia ineficiente, ausência de formação e qualificação, bônus pautado somente pelo resultado financeiro, sem considerar o compliance, e a ausência de membros independentes no conselho são alguns dos motivos que podem resultar em uma maior predisposição a práticas ilícitas pela empresa.

A corrupção deve ser observada como um problema de muitas faces, que pode se alastrar nos países que não se atêm aos cuidados necessários. Engana-se quem pensa que a solução está somente nas punições. Será preciso investir maciçamente em medidas preventivas. O momento é de arregaçar as mangas e redobrar esforços na luta em favor da integridade.

Para superarmos problemas dessa dimensão, aproveitarmos essa oportunidade e de fato avançarmos como país, a integridade e transparência na condução dos negócios passam a constituir um diferencial competitivo inegável nestes novos tempos.

Vivemos um período de transformação intensa, onde a relação entre a administração pública e o setor privado está sendo redefinida. As empresas (privadas ou públicas), independentemente de porte e segmento, terão de adotar padrões de conduta mais rígidos e sistemas de autocontrole.

Fonte Época Negócios
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