‘No País, 84% não sabem hoje quem poderia tirá-lo da crise’

A reforma da Previdência está aí. Ela é supernecessária, ressalta Renato Meirelles, do Instituto Locomotiva. Entretanto, “não se tem o mesmo empenho para discutir a empregabilidade das pessoas de mais de 50 anos”. Que, muitas vezes, trabalham em empregos que deixarão de existir.

Estudioso experiente das classes C e D, fundador do Data Popular, Meirelles acredita que o brasileiro está numa encruzilhada. “Há uma concentração muito grande da briga ‘medo x esperança’ e o momento de tensão é paralisante.” Os brasileiros hoje, adverte, estão desesperadamente em busca de um caminho que lhes permita voltar a sonhar. A seguir, os principais trechos da entrevista.

As eleições de 2018 estão quase aí. Qual vai ser o comportamento do eleitor, segundo o Instituto Locomotiva?

Hoje, 92% dos brasileiros acham que todos os políticos são corruptos. De um lado nós temos a população querendo algo diferente da política tradicional. Do outro, tem a política tradicional tentando a todo custo manter-se no poder. Não há espaço para o novo nos métodos tradicionais da política, em algum momento isso vai estourar. Então, tem manifestações, tem desilusão, tem o crescimento continuo de votos nulos, brancos e abstenções. Esse movimento de desilusão, que aumenta graças à polarização política que se deu na sociedade nos últimos dois anos, faz com que a crença dos governados nos governantes se perca e que se crie um cenário de completa incerteza nas próximas eleições.

A desilusão é tão grande que as pessoas estão até deixando de ir para a rua?

As pessoas não vão para a rua porque não veem perspectiva de mudança. Se nada for feito, o que é que nós vamos ter? Um cenário de candidatos indo para o segundo turno com não mais do que 25% dos votos. É uma completa pulverização, um risco inclusive para o sentimento de representação das pessoas. Na última eleição presidencial tivemos o Brasil dividido, mas não em dois. Estava dividido em três: um terço votou na Dilma Rousseff, um terço votou no Aécio Neves e um terço foi de brancos, nulos e abstenções.

O que temos que mudar, para que a política seja diferente?

A primeira questão é ter um sistema partidário permeável à novidade. Infelizmente, quem controla a burocracia partidária no Brasil decide quem pode e quem não pode ser candidato. Temos uma tendência grande a novas formas de se manifestar na política. Agora, o que a gente vai ver é que a mudança não pode ser só estética, tem que ser uma mudança de prática, de construções coletivas, numa sociedade que é muito menos verticalizada e coerente do que no passado.

Menos coerente?

Metade das pessoas que defendem partidos de direita acreditam que o Estado deve interferir na economia. A coerência ideológica que se esperava no século 20 não funciona para o eleitor e para o cidadão do século 21. As pessoas vão se organizando de forma horizontal, defendem a bandeira que se associa com determinado grupo. Não é à toa que, por exemplo, o movimento feminista, que historicamente foi ligado à esquerda, hoje tem grande parte da sua militância vindo de mulheres liberais. Por quê? Porque os direitos civis são um ponto de encontro da esquerda com o liberalismo clássico.

E em termos de política, vocês fazem pesquisa?

Uma das nossas maiores demandas é análise de cenário. E aí você descobre o óbvio: o consumidor é o mesmo cara que vota. É a dona Maria, o seu João, essas pessoas que estão lá em casa. Então fazemos análise de cenário para entender a cabeça do brasileiro com relação à classe política. E para compreender a relação entre as perspectivas política e econômica. Hoje, 84% dos brasileiros não sabem dizer o nome de ninguém que conseguiria tirar o País da crise. E sabe quem lidera entre os 16% restantes? O papa Francisco.

E em segundo?

Aí começam a vir os nomes de políticos tradicionais. O interessante é que quando um argentino é a melhor solução que um brasileiro enxerga pra sair da crise, é porque estamos todos à espera de um milagre.

Por que você mudou do Data Popular para o Locomotiva?

Há 10 anos, o Brasil tinha 53 milhões de internautas a menos e 10 milhões de universitários a menos. Essas mudanças foram tão rápidas que levaram a uma montanha russa nas classes econômicas. Hoje, metade das classes A e B está na primeira geração de pessoas com dinheiro na família. Quando começamos a olhar essa realidade, vimos que o bolso dos consumidores não era mais um dos principais vieses de formação do jeito de consumir. Existem fatores como onde essa pessoa nasceu, se acessava ou não a internet, se morava numa cidade com mais ou menos de 200 milhões de habitantes. Isso começou a ficar mais importante do que a renda.

Por que não aplicou essas observações no Data Popular?

Vimos que não fazia mais sentido separar os consumidores apenas pela classe econômica, e o Data Popular era especialista em classe C. Eu tenho um vício de caráter de não fazer coisas em que não acredito. Quando a gente viu que olhar para o bolso não explicava mais a cabeça do consumidor brasileiro, um novo desafio se impôs. Abri, com o Carlos Alberto Júlio, e, mais recentemente, com o Marcelo Tas, o Instituto Locomotiva.

Se dois consumidores da mesma classe não têm as mesmas afinidades ou mesmos desejos de consumir, como lidar com isso?

O que a gente viu foi um distanciamento entre o capital econômico – ou seja, da grana – e o capital cultural. As referências, a estética, o nível de escolaridade. Os estereótipos relacionados às classes econômicas não funcionam. Dois terços das classes A e B não têm faculdade. E falo de adultos com mais de 25 anos.

Como assim?

Imagine o seguinte: 80% das classes A e B nunca viajaram para outro país. Dito de outra maneira, de cada dez pessoas das classes A e B, oito não conhecem nem o Paraguai. Quando falamos das classes A e B, ninguém imagina um pessoa que não fez faculdade…

E como as pessoas se comportam agora?

Estamos na era das múltiplas personalidades. As pessoas se organizam para um determinado objetivo. Elas estão naquela classe naquele momento para conquistar algo, e depois elas mudam de classe. Isso se fortaleceu muito com a democratização da internet e os algoritmos fazendo bolhas de comportamento, o que deixou o público cada vez mais homogêneo entre si e heterogêneo entre eles.

O consumidor brasileiro, em geral, é fiel?

Ele é fiel sim, mas a duas ou três marcas. É aquela fidelidade que há no Oriente Médio, em que eu posso ter quatro esposas. É quase uma fidelidade poligâmica. Dentro das duas ou três marcas em que ele confia, busca a melhor relação custo-benefício, a que está em oferta naquele momento. Temos estudado como vai ser o comportamento do brasileiro no pós-crise, quais mudanças de comportamento vieram pra ficar quando a crise passar.

Pode adiantar alguns pontos?

O consumidor vai ficar mais maduro. Mesmo quando os salários voltarem a crescer, ele não vai deixar de pesquisar preço. Qual o impacto disso, por exemplo, para marcas premium, que perderam o mercado nos últimos tempos? O consumidor não vai voltar a comprar só porque deu vontade, sem que elas façam alguma inovação.

O consumidor sofreu e amadureceu. É isso?

Sim. Perder dói mais do que deixar de ganhar. Uma coisa é o sujeito que adia a primeira viagem de avião, outra coisa é a pessoa que descobriu como é melhor viajar de avião mas tem que voltar para o ônibus.

Vocês fizeram uma pesquisa sobre consumidores brasileiros com mais de 50 anos. O estudo revelou alguma curiosidade?

Com ou sem crise, o mercado de brasileiros com mais de 50 anos de idade vai continuar crescendo. Hoje, temos 54 milhões de brasileiros com mais de 50 anos de idade. Vamos chegar a 2045 com 96 milhões de brasileiros com mais de 50 anos de idade. É muita gente. Brasileiros com mais de 50 anos consomem mais do que a classe C, mais do que todas as mulheres brasileiras, mais do que todo o mercado do Nordeste, por exemplo. Consomem R$ 1,6 trilhões por ano, de um total de mais de R$ 3,5 trilhões. Se os brasileiros com mais de 50 anos formassem um País, ele estaria no G-20 do consumo mundial. E muita gente esquece
simplesmente de olhar para esse público. Nas propagandas de TV, quantas vezes aparecem brasileiros com mais de 50 anos?

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