A exposição da privacidade abusiva

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Os relacionamentos humanos vem mudando em notável medida e de modo particularmente drástico nestes últimos 30-40 anos. Hoje, nós já não queremos apenas “ser”, queremos “aparecer”.

Uma coisa é usar as redes sociais para instruir, educar, transmitir ideias, debater temas polêmicos, desenvolver grandes manifestações em defesa de algo e outra bem distinta é usá-la para lançar ao público algo da sua intimidade, da sua privacidade, algo que deveria ficar só com você. O terrível é que isso passou a ser quase que uma necessidade.

No mundo mais flexível e transitório das redes sociais, o que há de mais frequente é a exteriorização das intimidades. Nos tornamos, na era comunicacional, o oposto do que se admitia como padrão de conduta, antigamente.

Em suma, quem revela suas intimidades para o público, naturalmente está abrindo mão, nessa parte, da sua tutela jurídica. Esse é um campo de ausência de tutela penal, por deliberação do próprio interessado.

Portanto, a relevância pública da informação, da livre expressão, será a única desculpa legítima para a publicação de fatos e atos que afetem a privacidade de determinado indivíduo.

Posteriormente à violação do direito, qualquer palavra que se tente emitir com sentido de escusa não ajudará a eliminar a lesão à Privacidade e Intimidade. Afinal, as palavras depois de proferidas não voltam atrás.

Nos resta claro que a existência de um interesse legítimo é o que irá determinar se estamos ou não, diante do exercício do direito da livre expressão e informação.

A Constituição Federal de 1988, fruto do processo de redemocratização do Brasil e que representa a ruptura com o Estado autoritário, trouxe extenso rol de direitos e garantias individuais, positivados como cláusulas constitucionais pétreas (CF/1988, art. 60, § 4º, IV), dentre os quais a inviolabilidade da intimidade e da vida privada (art. 5º, inc. X).

Certamente, não é coincidência o fato de estarem tais direitos assegurados no mesmo inciso em que se protege a honra e a imagem das pessoas, bem como se proclama o direito à indenização decorrente de dano moral e material por violação daquelas. Da correlação entre todos esses institutos, nasceu a acepção prevalente na doutrina e na jurisprudência pátrias acerca do direito à intimidade.

Nessa perspectiva, esse direito é tido como protetor da vida íntima do indivíduo, impedindo que sejam revelados aspectos de sua vida privada, de forma a proteger sua honra objetiva, sendo garantida indenização por danos materiais ou morais em caso de violação.

Temos o tema espalhado em nosso ordenamento jurídico: o art. 155 do Código de Processo Civil, que dispõe sobre segredo de justiça; os crimes contra a honra (Capítulo V do Título I da Parte Especial do Código Penal) e as disposições constitucionais sobre a inviolabilidade do domicílio (CF/88, art. 5º, XI), da correspondência e das comunicações (CF/88, art. 5º, XII), bem como sobre a inadmissibilidade de provas ilícitas no processo (CF/88, art. 5º, LVI).

É bem verdade que a Carta de 1988 procurou ser analítica, descrevendo, detalhadamente, os direitos individuais, dentre os quais se encontram a vedação à tortura (art. 5º, III) e à censura (art. 5º, IX). Ainda assim, não se pode esperar que texto legislativo algum, quanto menos a Constituição, dotada que é de tamanha rigidez, regule satisfatoriamente todas as situações que possam acontecer, de modo que a acepção ampla do direito à privacidade, aqui defendida, tem, sim, grande relevância.

Andrea Santos – Advogada Especialista em Direito Criminal e Ambiental
Sócia Titular da CRESPO & SANTOS ADVOGADOS

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